Ampliação do vocabulário

Ampliação do Vocabulário

Ao me deparar com a primeira questão da Unesp 2019, pensei: “Puxa, uma questão dada ‘de bandeja’!” E fiquei feliz pelos alunos. Felicidade que durou só até a manha da segunda-feira seguinte, quando alguns alunos disseram ter errado, por desconhecerem o significado de “pedante” …

Ampliação do Vocabulário

Nas conversas que se seguiram, filosofamos um pouco a respeito da bagagem lexical dos jovens, o que me levou a algumas hipóteses…

Muitos professores queixam-se de que os alunos não têm mais o hábito da leitura, queixa da qual discordo: vemos os jovens entretidos com enormes volumes de livros: são as mais diferentes sagas, trilogias e/ou romances modernos voltados para o público adolescente e essas obras não são ‘fininhas’ – “Harry Potter e a Ordem da Fênix” tem algo em torno de 700 páginas!!!

A questão é que esses livros não exigem um domínio muito grande de vocabulário, nem uma reflexão muito profunda a respeito de seu conteúdo. Isso não quer dizer que não tenham valor – eu mesma sou fã da J. K. Rowling e do Rick Riordan –, mas esses textos não servem para ampliar o vocabulário nem o conhecimento de mundo dos leitores, servem como entretenimento apenas. Algumas vezes, a partir dessas obras, o jovem mais curioso pode ‘alçar voos mais altos’ e passar para obras literárias que tenham servido de base para essas histórias, como os mitos gregos originais, apresentados em adaptações de bons escritores ou nas peças de teatro da Grécia Antiga.

A queixa comum é que as obras literárias são difíceis, a leitura delas não flui e têm vocabulário muito complexo. Ora, os grandes autores tentam retratar a alma humana em suas personagens e, diga-se de passagem, o ser humano não é simples de se entender, logo… as obras que os retratam em profundidade também não serão. Há, porém, muitos benefícios que advirão àqueles que corajosamente se empenharem numa leitura atenta: terão ampliados seu vocabulário, seu conhecimento de mundo e desvendarão um pouco da complexidade humana, o que pode servir como base para o autoconhecimento também.

Assim, para colher tais benefícios, o procedimento que costumo sugerir aos meus alunos consiste em ler com um lápis na mão e um dicionário ao lado. A cada termo desconhecido, paramos a leitura, consultamos o dicionário para nos apropriarmos do sentido do vocábulo (sem preguiça de ler o verbete inteiro, já que muitas palavras são polissêmicas, ou seja, apresentam diversos significados, e precisamos escolher o que seja adequado ao contexto). Em seguida, voltamos ao texto e anotamos o significado. Retomamos a leitura, agora já cientes do sentido e continuamos o processo.

Pode parecer cansativo e demorado, mas com o passar do tempo e com a ampliação do nosso léxico, cada vez menos precisaremos recorrer ao dicionário – mas nunca o devemos abandonar! Conforme ampliamos nosso vocabulário, nosso conhecimento de mundo segue o mesmo caminho e cada vez mais estaremos mais aptos a compreender as ideias alheias e a nos expressar com clareza e exatidão – o que será proveitoso ao longo da vida, não só do percurso escolar ou da carreira profissional.

Essa busca pelas palavras no dicionário pode ser encarada como divertimento, como Chico Buarque descreve neste texto (metalinguístico), que serve de prefácio para uma nova edição do Dicionário Analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo:

“Palavra puxa palavra e escarafunchar o dicionário analógico foi virando para mim um passatempo (desenfado, espairecimento, entretém, solaz, recreio, filistria). O resultado é que o livro, herdado já em estado precário, começou a se esfarelar nos meus dedos. (…) Com esse livro escrevi novas canções e romances, decifrei enigmas, fechei muitas palavras cruzadas. (…) Eu já imaginava deter o monopólio (açambarcamento, exclusividade, hegemonia, senhorio, império) de dicionários analógicos da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo Ribeiro, que ao que me consta também tem um, quiçá carcomido pelas traças (brocas, carunchos, busanos, cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos, bichos-carpinteiros). Hoje sou surpreendido pelo anúncio dessa nova edição do dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo”.

Se esse procedimento virar hábito ou passatempo, dificilmente o aluno encontrará problemas com questões de interpretação ou de verificação de vocabulário (afinal, a questão da Unesp a que me referi no início do texto poderia ser resolvida até mesmo por quem não soubesse regra alguma de gramática!)

Até a próxima semana!


Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), instituição na qual também concluiu seu mestrado. Com mais de 20 anos de experiência e responsável pela resolução das Apostila de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias do infoEnem, a professora também é colunista de gramática do nosso Portal e umas das corretoras do curso de redação online (clique aqui para saber mais). Seus artigos são publicados semanalmente, sempre aos domingos. Não perca!

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