No último dia 1º de julho foi realizado o vestibular de meio de ano da Fatec (Faculdade de Tecnologia de São Paulo) e hoje analisaremos a prova de redação deste vestibular, que também contou com 53 questões de múltipla escolha, cujo fio condutor foi o conceito de resiliência.
Resiliência, segundo a Física, é, na verdade, um ponto de resiliência de um material que indica a capacidade máxima de absorção e, consequentemente, de acúmulo de energia durante uma situação de deformação sem que este material perca sua capacidade elástica de voltar ao seu formato original sem sofrer uma deformação definitiva ou até mesmo uma ruptura.
Tal definição encontra-se no enunciado da primeira questão do referido vestibular, na seção de perguntas multidisciplinares. Tal enunciado também afirma que, ao longo dos anos, o termo resiliência ganhou novos significados e esta polissemia (pluralidade de significados) é abordada ao longo de todo o vestibular, inclusive na prova de redação.
A prova de redação do vestibular de meio de ano da Fatec de 2018 é composta por três textos fontes e tem como tema a seguinte frase comando: “O jeitinho brasileiro é uma forma de resiliência ou falta de honestidade?“.
Neste contexto, o primeiro texto da coletânea textual aborda os novos significados que o conceito de resiliência ganhou com o passar o tempo e que passaram a ser usados em áreas do conhecimento como a Filosofia e a Psicologia; leia:
Inicialmente, nos anos 1960 e 1970, a resiliência esteve associada à definição dada pela Física. No final dos anos 1980, vemos que o termo já estava se ampliando [….] e passava a se apresentar como a capacidade de ser flexível diante da adversidade. Nas últimas décadas, resiliência vem sendo apresentada como uma capacidade de ser flexível ao atribuir novos significados aos fatos e que pode ser desenvolvida em todo ser humano.
Acesso em: 09.03.2018. Adaptado.
Neste sentido, ser resiliente é ter a capacidade de se regenerar depois de um período difícil na vida e conseguir obter aprendizado na adversidade sem perder a nossa essência, a nossa personalidade. Assim como na Física, desenvolver a resiliência é, após uma fase estressante, voltar a sermos o que éramos, talvez melhores como pessoas, e não nos deixar abater por problemas, obstáculos, decepções etc.
O segundo texto da coletânea aborda a definição do “jeitinho brasileiro” da antropóloga Lívia Barbosa:
[…] o jeitinho (brasileiro) é sempre uma forma “especial” de se resolver algum problema ou situação difícil ou proibida; ou uma solução criativa para alguma emergência, seja sob a forma de conciliação, esperteza ou habilidade. Portanto, para que uma determinada situação seja considerada jeito, necessita-se de um acontecimento imprevisto e adverso aos objetivos do indivíduo. Para resolvê-la, é necessária uma maneira especial, isto é, eficiente e rápida, para tratar do “problema”.
BARBOSA, L. O jeitinho brasileiro: a arte de ser mais igual que os outros. Rio de Janeiro. Editora Campus, 1992.
O “jeitinho brasileiro” não é conhecido no Brasil, mas também em quase todo o mundo; somos famosos por conta dele, como se isto fosse uma marca do povo brasileiro, sem exceções.
O terceiro e último texto da coletânea cita alguns exemplos do que seria, na prática, o “jeitinho brasileiro”, e debate se seria apenas hábitos irrelevantes ou hábitos corruptos que devem ser combatidos:
Não declarar Imposto de Renda, falsificar carteirinha de estudante ou, simplesmente, furar uma fila. A maior parte da população não considera essas atitudes erradas e as encara como parte do cotidiano. [….] Mas esses atos, conhecidos como o famoso “jeitinho brasileiro”, podem ser mais graves do que parecem e configuram, até mesmo, ato de corrupção. O coordenador em Goiás da campanha do Ministério Público “O que você tem a ver com a corrupção” observa que essas atitudes já foram banalizadas e enraizadas culturalmente. Por isso, a campanha visa mostrar à população que esses pequenos atos, tidos como normais, também são desvios de conduta e devem ser repensados. “O Brasil ainda não sedimentou os princípios básicos da honestidade e o conceito de ética varia. É preciso conscientizar as pessoas de que tudo começa com os pequenos atos e uma coisa leva a outra”, acredita.
Acesso em: 10.04.2018. Adaptado
Como a frase comando do tema é uma pergunta, baseado nesta coletânea textual, o candidato deve responder se o “jeitinho brasileiro” é uma forma de resiliência ou falta de honestidade por meio da produção de um texto narrativo ou dissertativo-argumentativo.
Há quem diga que já pagamos muitos impostos no Brasil, por isso não declarar Imposto de Renda ou declarar, mas tentando burlá-lo não seria errado, pois os políticos nos roubam há anos. Também é comum o discurso de que os eventos culturais no Brasil (cinema, teatro, exposição, shows etc.) são muito caros e que as empresas ganham muito com isso e por isso é constante a falsificação de carteirinhas de estudante.
Neste sentido, para estas pessoas, o “jeitinho brasileiro” seria sim uma forma de resiliência à verdadeira corrupção, dos altos escalões. Já para outras pessoas, tais exemplos não deixam de ser corrupção e, assim, são exemplos práticos de falta de honestidade.
Nesta prova de redação, como há uma pergunta clara, ela deve ser respondida. Desta maneira, o candidato não pode ficar “em cima do muro” e deve responder, também de maneira clara e objetiva, o que pensa sobre o tema através do uso de conceitos filosóficos e sociológicos, como por exemplo, moral, ética, honestidade e idoneidade, dentre outros.
O vestibular de meio ano de Fatec pode ser acessado aqui.
Até a próxima semana!
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada em Letras/Português e mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas e do Curso Online do infoEnem. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!