A Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS) realizou no último fim de semana o seu vestibular para preencher as vagas do ano letivo de 2019. O exame é composto por questões de múltipla escolha e por duas propostas de redação dentre as quais os candidatos devem escolher uma para escrever. O gênero exigido nas duas propostas de redação é a dissertação-argumentativa e o candidato tem até quarenta linhas para desenvolver o seu texto.
Proposta de Redação I – “Politicamente Correto”
A primeira proposta de redação tem como tema o “politicamente correto” e o texto fonte é um editorial do jornal Folha de São Paulo publicado em 30 de setembro deste ano.
Para quem não sabe, editorial é um gênero da ordem do argumentar que tem como função expressar a opinião de um meio de comunicação (jornal impresso e televisivo e revista), como instituição, acerca de determinado tema. Por se tratar da opinião do veículo de comunicação em si, o editorial não é assinado por nenhum jornalista ou articulista.
O editorial da Folha de São Paulo que serve como texto fonte da primeira proposta é o seguinte:
Os movimentos politicamente corretos que irromperam em diversos países, a começar pelos Estados Unidos, a partir do final da década de 1980 têm provocado uma série de controvérsias em torno dos limites à liberdade de expressão e dos direitos de pessoas ou coletividades a não serem estigmatizadas por meio da linguagem.
Determinadas expressões e manifestações que em outros tempos eram usadas publicamente para se referir a certos grupos sociais, como negros, mulheres e homossexuais, são agora objeto de contestação pelo caráter discriminatório e ofensivo que encerram.
Cada época tem seus padrões de sensibilidade, e os limites do aceitável se alteram ao longo da história. Hoje, procuram-se impor novas normas, nem sempre de maneira razoável, com o objetivo de fazer com que também a linguagem, em sintonia com a sociedade, se torne mais inclusiva.
Não surpreende, portanto, que alguns artistas, como mostrou reportagem desta Folha, venham substituindo algumas formulações que hoje possam soar inadequadas na reedição de suas obras.
O compositor Criolo, por exemplo, decidiu abolir o termo “traveco” da letra de uma de suas canções, ao relançá-la recentemente.
Outros casos ilustram a mesma preocupação: traduções de seriados dos anos 1970 evitam piadas ou palavras tidas como potencialmente ofensivas, e uma nova versão do popular “Os Trapalhões” abandona tiradas jocosas envolvendo negros, gays e nordestinos.
Note-se que essas correções de rumo parecem incentivadas também por um zelo de mercado. Produtores e exibidores não querem correr o risco de ataque e eventuais boicotes a seus produtos.
Em momentos como o atual, de mudanças de costumes, é difícil evitar que exageros entrem em cena − um efeito colateral sem dúvida problemático. No afã de lutar por suas causas e defender seus representados, ativistas não raros assumem papel inquisidor.
Tentativas de interditar manifestações de adversários ideológicos, de fomentar polarizações e de eliminar as possibilidades de diálogo tornaram-se frequentes e agressivas em diversos países, em meio ao que se convencionou chamar de “guerra cultural”.
O tempo, espera-se, vai contribuir para que as tensões em curso deem lugar a um ponto de equilíbrio.
(Folha de S. Paulo, 30/09/2018)
Após a leitura do texto, podemos inferir que o editorial sobre o “politicamente correto” se justifica por conta de uma matéria publicada na mesma edição da Folha de São Paulo sobre o tema.
Neste editorial, há uma retomada história, a fim de contextualizar o leitor acerca do movimento que deu origem, nos EUA, a partir da década de 1980, ao “politicamente correto”, e que causa, nos dias de hoje, polêmicas e controvérsias.
Neste momento da leitura do texto fonte, o candidato já deveria se lembrar de casos emblemáticos neste sentido: humoristas que causaram polêmicas com piadas, inclusive se envolvendo em processos judiciais; mudanças de nomenclaturas em várias áreas, como em relação a sexualidade e etnias, por exemplo etc. O candidato que está a par deste tema já deveria fazer, neste momento, várias conexões com exemplos reais.
O editorial coloca que todas as épocas possuem seus respectivos padrões de sensibilidade e, com isso, cria-se limites para o aceitável e o inaceitável. Por exemplo, há alguns anos, programas humorísticos em grandes canais de televisão faziam piadas de cunho pejorativo com mulheres, negros, homossexuais e pessoas acima do peso; músicas, em suas letras, usavam palavras que hoje são evitadas etc.
Além das mudanças de padrões de sensibilidade e limites, o editorial nos faz lembrar que essa alteração de temática, oriunda do “politicamente correto”, também é enviesada pelo mercado, pois nenhum produtor ou artista quer que seu trabalho sofra um boicote por estar “politicamente incorreto“; eles veem ali nichos de mercado aos quais eles querem agradar e atingir e, obviamente, lucrar com isso.
Porém, para o editorial, podem ocorrer certos exageros; segundo o texto, alguns ativistas, defensores de uma causa, por vezes se comportam como inquisidores na tentativa de intervir e de proibir manifestações contrárias.
Por fim, o editorial finaliza desejando que surja um equilíbrio para esta questão.
A nosso ver, este texto fonte tentar demonstrar como um tema polêmico pode ser abordado de uma maneira ponderada, já que em nenhum momento o autor se coloca contra ou a favor do “politicamente correto”, mas sim desejando o equilíbrio entre todos os aspectos desta questão.
Nesse sentido, pensamos que este é o recorte temático deste texto fonte: fazer com que o candidato perceba a ponderação, a busca pelo equilíbrio, e escreva uma dissertação-argumentativa que abordasse o tema “politicamente correto” de forma ponderada, sem radicalismos ou extremismos.
Pontos como liberdade de expressão versus discursos de ódio, “limites” para o humor, dentre outros, poderiam servir como argumentos e estratégias argumentativas.
Proposta de Redação II – Coletivos
Já a segunda proposta de redação tem como tema os coletivos, grupos de pessoas que se organizam em prol de uma causa, e sua atuação na vida pública, incluindo a política. Vejamos o texto fonte:
Um dos fenômenos sociais recentes é a formação e a participação dos chamados “coletivos” na vida pública. Os coletivos são associações que se formam em torno de uma bem localizada causa comum: o combate à homofobia, a defesa dos direitos da mulher, a luta contra o preconceito racial etc.
Multiplicam-se e dividem-se de acordo com suas linhas específicas de ação. Há quem diga que a ação desses coletivos fragmenta e enfraquece demais as grandes causas democráticas, mas há quem ache que há uma nova democracia nascendo justamente da eficácia política desses coletivos.
O interessante é que o enunciado desta proposta de redação é diferente dos enunciados padrões de dissertação-argumentativa; vejamos:
Redija uma DISSERTAÇÃO em prosa, na qual você argumentará em defesa de sua posição pessoal diante da divergência de opiniões apontada ao final do texto.
A divergência a qual o enunciado se refere é a de que a quem pense que a ação dos coletivos, no fim das contas, fragmenta as lutas das minorias, pois as divide ou invés de as somar ou multiplicar.
Um exemplo prático pode ser dado em relação ao movimento feminista. Há coletivos feministas que defendem, por exemplo, a luta das mulheres em prol de igualdade como um todo; por outro lado, há coletivos feministas de mulheres negras com a fundamentação de que as mulheres negras sofrem racismo, o que as mulheres brancas não sofrem e há, ainda, coletivos feministas que defendem a participação dos homens e a coletivos que são contra.
No caso desta proposta de redação, o candidato deveria saber, minimamente, o que são, como se organizam e como atuam, na vida pública, social e política, os coletivos, para entender de quais ou qual divergência o enunciado se refere.
Por hoje é só, pessoal!
Até a próxima semana!
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada em Letras/Português e mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas e do Curso Online do infoEnem. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!