Dando continuidade às publicações sobre as propostas de redação do vestibular 2018 da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no texto de hoje apresentamos a análise do Texto 2, já que, como dissemos no artigo da semana passada, as provas de redação do vestibular da UNICAMP são compostas por duas propostas de redação.
No último texto, analisamos o Texto 1 do vestibular 2018 da UNICAMP, o qual exigiu dos candidatos a elaboração de uma palestra sobre pós-verdade. No texto de hoje, analisamos o Texto 2, que exigiu dos candidatos a redação de um artigo de opinião sobre o seguinte tema: “Há limite para a liberdade de expressão?“.
O artigo de opinião é um gênero da mesma ordem da dissertação-argumentativa, a ordem do argumentar, mas, apesar disso, são gêneros diferentes, pois possuem marcas estilísticas distintas entre si.
Primeiramente, o artigo de opinião é um gênero que circula na esfera jornalística, podendo ser lido em jornais, revistas e em sites diversos na internet, como em blogs, por exemplo. Seu autor é denominado colunista e normalmente é um jornalista ou um especialista em determinado assunto, como política, economia, educação etc. Devido a periodicidade das publicações dos artigos de opinião em seus suportes, já que os colunistas se revezam e seus textos são publicados em dias específicos, cria-se, entre autor e leitor, uma certa proximidade, pois o leitor desenvolve o hábito e/ou o gosto por ler o artigo de opinião de determinado autor que, por sua vez, pode expressar abertamente a sua opinião.
Já a dissertação-argumentativa é um gênero que circula na esfera escolar de maneira descolada da realidade, pois a opinião ali expressa não será lida por leitores de jornais ou revistas, mas sim por um professor ou corretor com o objetivo de analisar se o autor, no caso um estudante, cumpriu a proposta de redação.
E, como bem sabemos, no caso dos vestibulares e dos exames como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), devemos seguir as instruções dos mesmos para nos adequarmos às marcas estilísticas da dissertação-argumentativa, como por exemplo, ser um texto impessoal, ou seja, não pode ser escrito na 1ª pessoa do singular.
Este é um dos riscos desta proposta de redação do vestibular 2018 da UNICAMP: confundir artigo de opinião com dissertação-argumentativa. O candidato tinha de prestar muita atenção, como sempre, no enunciado da referida proposta de redação, que dizia o seguinte:
Diferentemente dos vestibulares tradicionais, o vestibular da UNICAMP, desde 2010, nas provas de redação, apresenta um contexto de produção para o candidato, situando-o em uma situação que poderia ser real, na qual há uma motivação para a elaboração do texto exigido.
Nesse sentido, o principal segredo para começar bem as propostas de redação da UNICAMP é o candidato tentar imaginar-se inserido no contexto de produção proposto, sentindo-se motivado pela razão criada. Obviamente, como é uma prova, é uma simulação, mas de algo que poderia ocorrer na vida real.
Neste caso, o ponto de partida foi uma postagem em rede social de uma mensagem de ódio contra nordestinos que gerou uma intensa discussão em uma cidade. Por conta da polêmica, o jornal de maior circulação desta cidade (ambos poderiam ser fictícios ou não na cabeça do candidato) resolver publicar um caderno especial sobre liberdade de expressão com artigos de opinião diversos e o candidato teve de escrever um para este caderno especial, mais especificamente sobre o tema “Há limite para a liberdade de expressão?”.
Percebe-se que o enunciado cria um contexto de produção que poderia ser real e o candidato é inserido neste contexto por meio de uma motivação. Além disso, apesar do detalhamento, o candidato deveria saber o que é um caderno especial de um jornal e o que é um artigo de opinião.
Mas não é um artigo de opinião qualquer: é um artigo de opinião que deveria responder à pergunta tema, se há limite para a liberdade de expressão. Além disso, o texto deveria trazer, obrigatoriamente, a identificação e a explicitação de dois posicionamentos principais sobre a questão e a postura assumida de um desses posicionamentos e sustentá-lo com argumentos, tudo isso levando em consideração várias citações que compunham os textos fontes da proposta.
Deste modo, levando em conta os textos fontes, o artigo de opinião deveria identificar e explicitar posicionamentos que afirmam que devem haver limites para a liberdade de expressão e que afirmam que não devem haver tais limites e, finalmente, assumir um desses posicionamentos, sustentando tal opinião em argumentos. Resumindo: o candidato não poderia ficar em cima do muro de modo algum.
No enunciado, a menção a uma postagem de ódio contra nordestinos juntamente com a palavra “limite” do tema, somando-se às citações que compõem os textos fontes deveria levar o candidato a seguinte reflexão: discurso de ódio versus liberdade de expressão. Assunto sobre o qual já escrevemos nesta coluna (leia), inclusive. Discursos que propagam preconceitos e violências como xenofobia, racismo, machismo, homofobia, dentre outros é o mesmo que liberdade de expressão ou não?
Tal reflexão e a consequente escrita do artigo de opinião deveriam levar em consideração excertos de citações de várias personalidades da cultura, da educação, do meio acadêmico, dentre outros, sobre o assunto. Tais excertos foram extraídos de uma matéria do jornal Folha de São Paulo do dia 30 de junho de 2017.
Os candidatos, desta forma, deveriam identificar nos textos fontes pelo menos dois posicionamentos distintos e fazer o seu próprio posicionamento, opinando e argumentando, pois, como sempre afirmamos, não basta opinar, tem de argumentar. Conhecer os autores citados é meio caminho andado na interpretação de suas afirmações, pois quando conhecemos os autores, conhecemos também suas posições.
Na próxima semana, a coluna sobre Redação no Enem trará um texto sobre os números e resultados da prova de redação da edição de 2017.
Até lá!
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada em Letras/Português e mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas e do Curso Online do infoEnem. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!