No último final de semana foi aplicada a segunda fase do vestibular de meio de ano de 2017 da UNESP – Universidade Estadual Paulista e, no domingo, dia 11 de junho, juntamente com as provas de Português e de Inglês foi aplicada a de Redação, cuja proposta analisaremos no texto de hoje.
A prova de Linguagens e Códigos dos vestibulares da UNESP contém doze questões discursivas de Português (interpretação de texto, análise linguística e literatura) e de Inglês e uma proposta de redação cujo objetivo é a produção de uma dissertação. O tema da prova de redação do vestibular de meio de ano – ou de inverno – deste ano de 2017 foi “Prisão especial para portadores de diploma: afronta à Constituição?“.
A coletânea de textos desta proposta apresenta quatro excertos. O primeiro é o quinto artigo da Constituição de 1988, aquele que afirma que todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem nenhuma distinção, e que todos têm direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade dentre outras coisas.
O segundo texto da coletânea, por sua vez, também é da esfera legislativa, mas do Código de Processo Penal, mais especificamente o artigo número 295 que dispõe acerca das condições a respeito da prisão em cela especial. Algumas pessoas, se preencherem determinados pré-requisitos, têm direito a aguardar o julgamento em celas especiais, separados dos demais detentos; são elas:
- os ministros de Estado;
- os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia;
- os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados;
- os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”;
- os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
- os magistrados;
- os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;
- os ministros de confissão religiosa;
- os ministros do Tribunal de Contas;
- os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado […];
- os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.
É justamente neste artigo do Código de Processo Penal que há a menção de que as pessoas que possuem diplomas em qualquer curso de graduação, seja um bacharelado ou uma licenciatura, em qualquer instituição de ensino superior reconhecida, têm direito a aguardar o julgamento em cela especial.
Há, inclusive, um engano sobre isso que circula entre as pessoas que não têm conhecimento acerca da esfera legislativa, mais especificamente sobre o Direito Penal brasileiro: há quem acredite e afirme que apenas os diplomados nos cursos de Direito e Medicina têm o direito à prisão especial. Ao lermos o artigo acima, podemos comprovar que isso é mentira.Antes de prosseguirmos na coletânea, podemos notar que entre os dois primeiros textos há uma certa incoerência, pois se todos são iguais perante a lei brasileira, segundo a Constituição, por que um grupo seleto de pessoas tem direito a uma cela especial antes do julgamento?
Em certos casos, como os dos delegados de polícia e os policiais civis, até podemos inferir que seria prejudicial à integridade física destes serem presos juntamente com as pessoas que um dia eles talvez trabalharam para prender, o mesmo risco talvez também exista para membros do alto escalão dos governos Federal, estaduais e municipais, principalmente atualmente, com tantas denúncias envolvendo políticos e corrupção.
Neste ponto, o candidato já poderia pensar se uma pessoa diplomada seria, no seu ponto de vista, superior a outra que não cursou uma faculdade e, por isso, não possui um diploma de ensino superior. E esta reflexão é fundamental, já que o tema desta proposta de redação questiona se o direito à prisão especial é uma afronta à Constituição e esta pergunta deve ser respondida, de maneira embasada, pelo candidato.
Voltando à coletânea textual, o terceiro texto, de autoria de Valquíria Padilha e Flávio Antonio Lazzarotto, esclarece que o direito à cela especial é concedido às pessoas diplomadas no ensino superior apenas antes do julgamento definitivo e se este resultar em condenação, o réu é enviado para uma cela comum, algo que é polêmico entre juristas, políticos e civis, ou seja, os cidadãos.
Os autores mostram duas opiniões favoráveis à prisão especial; a primeira a do jurista Basileu Garcia, ex-professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ele ainda afirma que as pessoas que possuem diploma de nível superior merecem uma “maior consideração pública pela sua educação”.
A segunda opinião é a do ex-procurador Arthur Cogan e este afirma que tal direito
[…] não é uma afronta à Constituição, já que a todos os cidadãos estão abertos os caminhos que conduzem à conquista das posições que dão aos seus integrantes a regalia de um tratamento sem o rigor carcerário.
Ou seja, para ele, todos os brasileiros teriam oportunidade de cursar uma faculdade, o que nós sabemos que, no Brasil, não é verdade, a não ser que o candidato acredite piamente em meritocracia.
O quarto e último texto da coletânea é do jornalista e professor Leonardo Sakamoto. Para o autor, o direito à cela especial é mais uma faceta da desigualdade social e ele confronta o tema justamente com o quinto artigo da Constituição Federal de 1988, como fizemos anteriormente neste texto. Segundo Sakamoto, a prisão especial para portadores de diploma do ensino superior não faz nenhum sentido.
O autor lembra que muitas pessoas não chegam a se formar nem no ensino básico por conta da necessidade de trabalhar, outras precisam abandonar a faculdade por dificuldades em pagá-la e outras ainda decidiram não cursar uma graduação.
Nesse sentido, o educador português Tadeu Pacheco, inclusive, questiona a nomenclatura “ensino superior”, questionando que a faculdade seria superior à educação básica quando, na verdade, sem esta não haveria a primeira.
De acordo com a nossa leitura, o recorte temático desta proposta de redação, segundo os textos da coletânea textual, é o de que o direito à cela especial é uma afronta sim à Constituição, pois pode ser considerado algo discriminatório, já que viola o princípio de que todos somos iguais perante a lei.
Até a próxima semana!
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!
1 comment
Tratar desse tema no momento é algo quase incongruente, pois se não temos nem prisão suficiente pros infratores comuns…
Não sei porque não se fala em construir mais presídios neste país!
É como o problema do transporte ferroviário…
O problema, em verdade, é que o país ainda não cuidou sequer do básico!!! . . .