As vírgulas e a Mudança de Sentido

No artigo da semana passada (Clique aqui para acessar o artigo), eu procurei esclarecer alguns casos de emprego da vírgula, os mais básicos talvez, sem entrar muito no terreno, ‘tenebroso’ para muitas pessoas, da análise sintática.

Desta vez vou discorrer sobre algumas situações em que o tal sinal pode alterar completamente a mensagem e, se o emissor se distrair, pode acabar dizendo algo distinto daquilo que tinha em mente.

Nas redes sociais têm circulado algumas imagens que brincam exatamente com esse problema. Observem uma delas:

In https://br.pinterest.com/visaghair/plagiando/ acesso em 28-01-2016 sem créditos da imagem
In https://br.pinterest.com/visaghair/plagiando/ acesso em 28-01-2016 sem créditos da imagem

Para a gramática normativa (aquela a que devemos obedecer nas redações, provas e concursos), a frase ‘Vou ali comer gente’ não apresenta desvio. Temos um sujeito oculto (eu), uma locução verbal (vou comer) funcionando como transitiva direta, um objeto direto (gente) e um adjunto adverbial de lugar (ali). A questão é que nossa sociedade não admite a antropofagia, portanto ‘comer gente’ vai ser moralmente e criminalmente condenável e para ser aceita pela sociedade a frase deveria estar pontuada: “Vou ali comer, gente.”

Brincadeiras à parte, alguns exercícios gramaticais apresentam frases parecidas, cuja diferença consiste graficamente na pontuação e solicitam que se aponte a diferença semântica (de sentido) e sintática (de função dos termos) entre elas, como estas:

I. Pedro, o gerente do banco ligou.
II. Pedro, o gerente do banco, ligou.

Ambas estão corretas, porém na frase I, Pedro funciona como vocativo, termo que chama a atenção de um receptor para então passar a mensagem de que o gerente do banco havia ligado. Já na frase II, Pedro funciona como sujeito, foi ele quem fez a ligação e o gerente do banco, termo isolado por duas vírgulas, funciona como aposto, explicando quem é o Pedro.

Observe este outro caso de mudança de sentido, apenas alterando o emprego das vírgulas:

A) Os funcionários que fizeram greve foram demitidos.
B) Os funcionários, que fizeram greve, foram demitidos.

As palavras são exatamente as mesmas, mas temos dois enunciados completamente diferentes. Na frase A, afirma-se que, de todos os funcionários, apenas os que fizeram greve foram demitidos, ou seja, de um conjunto, apenas um subconjunto foi demitido. Do ponto de vista sintático, a oração “que fizeram greve” é uma oração subordinada adjetiva restritiva (restringe uma parte do total).

Na frase B, a informação é outra: todos os funcionários fizeram greve e todos foram demitidos. A oração “que fizeram greve” aparece agora entre vírgulas e, como vimos no artigo anterior, isso ocorre quando essa informação é acessória, está ‘a mais’ e pode ser tirada, sem prejuízo da informação principal. Do ponto de vista sintático é uma oração subordinada adjetiva explicativa.

Ah, cuidado com os ‘achismos’!

Às vezes eu escuto alguns alunos falando: “Mas parece que a oração que explica é a que está sem vírgula…” Neste caso, como diria aquele árbitro-comentarista de futebol, a regra é clara: sem vírgulas, a oração é restritiva e a interpretação é ‘não são todos, apenas estes’; com vírgulas, a oração é explicativa e a informação vale para todos.

E essa informação é relevante tanto para a leitura e interpretação de textos quanto para a resolução de questões gramaticais. Observe esta questão da 2ª fase da Fuvest de alguns anos:

(FUVEST) Os meninos de rua que procuram trabalho são repelidos pela população.

a) Reescreva a frase, alterando-lhe o sentido apenas com o emprego de vírgulas.

b) Explique a alteração de sentido ocorrida.

Resolução:

a) Os meninos de rua, que procuram trabalho, são repelidos pela população.

b) A ausência de vírgulas frase original serve para instaurar o pressuposto de que nem todos os meninos de rua procuram trabalho e aquele grupo que procura é repelido pela população. A oração que procuram trabalho classifica-se como subordinada adjetiva restritiva.

A presença de vírgulas na frase reescrita no item a estabelece o pressuposto de que todos os meninos de rua procuram trabalho e todos eles são repelidos pela população. A oração entre vírgulas classifica-se como subordinada adjetiva explicativa.

E para finalizar, vale a pena dar uma olhada nesta peça publicitária extremamente bem-feita, que apresenta a importância da vírgula:

http://www.propagandashistoricas.com.br/2013/11/abi-100-anos-virgula-2008.html

Até a próxima!

 


Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Mais de 20 anos de experiência, corretora do nosso sistema de correção de redação e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoEnem, a professora é colunista de gramática do nosso portal . Seus textos são publicados todos os domingos. Não perca!

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2 comments
  1. Olá! Tenho uma dúvida em relação ao uso do termo ou. Eu poderia usar vírgula para evitar repetir o termo ou? Por exemplo, a frase ” fale com Carolina, Maria ou Juliana” teria o mesmo sentido de ” Fale ou com Carolina ou Maria ou Juliana?

    1. >OBSERVE:
      “Fale com Carolina, Maria ou Juliana.”
      – Nesse caso, você deveria falar com uma das três pessoas referidas na frase
      “Fale com Carolina,Maria e Juliana.”
      – Indica que se deva falar com todas, sem exerção.
      “Fale ou com Carolina ou Maria ou Juliana?”
      – Estaria correto se fosse para falar com uma ou outra, no caso duas pessoas.

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