Capitalismo é o fim da escravidão?

O capitalismo institui juridicamente o trabalhador enquanto sujeito livre e detentor de direitos, entretanto, a realidade não é tão simples. Por trás dessa cortina de liberalismo político, o sistema capitalista possui dinâmicas internas de funcionamento, dentre as quais está o trabalho escravo. A escravidão não é uma dinâmica econômica e social que antecede o capitalismo, ao contrário, ela possibilita a acumulação de riqueza dentro desse sistema.

Para se pensar na relação entre o modo de produção capitalista e sua relação com o trabalho escravo é necessário, primeiro, compreender as características definidoras desse sistema – o qual não é um modo de produção apenas econômico, mas produz estruturas políticas, sociais e lógicas internas que o consolidam enquanto uma ordem social institucionalizada –, sendo elas:

1. Propriedade privada dos meios de produção e a divisão entre proprietários e produtores;

2. Instituição de um mercado de trabalho livre;

3. Dinâmica de acumulação de capital, que se ancora numa orientação à valorização do capital em oposição ao consumo, acoplada a uma orientação ao lucro e não à satisfação de necessidades.

A partir do exposto, em especial levando em consideração a segunda característica, pode-se pensar que, como o capitalismo institui um mercado de trabalho livre, ele é incompatível com o trabalho escravo e, portanto, a instituição do capitalismo em determinado país seria o fim da escravidão. Entretanto, tal incompatibilidade fica no nível das aparências, uma vez que a acumulação no capitalismo ocorre por meio da exploração: o capital não se valoriza pela troca igualitária, pelo intercâmbio de equivalentes, mas por seu oposto, isto é, pela não compensação de uma parte do tempo do trabalhador (da mais-valia). A valorização do capital ocorre sob o disfarce da troca livre e contratual do trabalho que, para ser valorizado em suas últimas consequências, depende de meios de exploração (acumulação com status jurídico de indivíduos livres) e expropriação (acumulação brutal sem nenhum tipo de compensação, é a exploração em suas últimas instâncias).

Figura reproduzida do site: https://www.greenmebrasil.com/viver/trabalho-e-escritorio/7826-lista-suja-do-trabalho-escravo-2019/

Nesse sentido, a expropriação e suas formas de expressão, como a escravidão, não são precondições ou uma organização anterior ao capitalismo, pelo contrário, são sua necessidade contínua. A expropriação reduz os custos da exploração, uma vez que bens, como café, algodão etc, ao serem produzidos sob uma escravidão racializada barateiam o custo de vida dos trabalhadores industriais e, assim, permite que o capital lhes pague salários mais baixos e concentrem mais lucro. Em outras palavras, utilizar trabalho escravo é uma forma de economizar na mão-de-obra.

Ademais, a expropriação e criação de subalternos reitera material e ideologicamente a suposta liberdade dos trabalhadores explorados que possuem direitos. Tal dicotomia entre escravo, sujeito expropriado, e trabalhador, sujeito “apenas” explorado, funciona como um salário psicológico ao segundo tipo de sujeito, pois o faz valorizar sua condição, reafirmando-se enquanto sujeito a partir da negação da humanidade plena do outro e da reafirmação de sua liberdade a partir da retirada da liberdade do outro.

Diante do exposto, evidencia-se a dupla função do trabalho escravo no capitalismo: a material, responsável por possibilitar o aumento da acumulação de capital por parte da classe proprietária, devido a diminuição do preço da mão-de-obra; e a função ideológica, que, através da desumanização perpassada pela racialização e expropriação, atua como um fator de reafirmação da suposta liberdade e da humanidade do trabalhador explorado. O trabalho escravo é um instrumento do próprio capitalismo para facilitar a acumulação.

Apesar do problema moral e ético presente nessa dinâmica, ela não é facilmente percebida, uma vez que o processo de expropriação é histórico e constante, logo, pode demorar para mostrar suas consequências e danos à humanidade.

 Questão

(ENEM 2011)

Texto I

A escravidão não é algo que permaneça apesar do sucesso das três revoluções liberais, a inglesa, a norte-americana e a francesa; ao contrário, ela conhece o seu máximo desenvolvimento em virtude desse sucesso. O que contribui de forma decisiva para o crescimento dessa instituição, que é sinônimo de poder absoluto do homem sobre o homem, é o mundo liberal.

LOSURDO, D. Contra-história do liberalismo. Aparecida: Ideias & Letras, 2006 (adaptado).

Texto II

E, sendo uma economia de exploração do homem, o capitalismo tanto comercializou escravos para o Brasil, o Caribe e o sul dos Estados Unidos, nas décadas de 30, 40, 50 e 60 do século XIX, como estabeleceu o comércio de trabalhadores chineses para Cuba e o fluxo de emigrantes europeus para os Estados Unidos e o Canadá. O tráfico negreiro se manteve para o Brasil depois de sua proibição, pela lei de 1831, porque ainda ofereceu respostas ao capitalismo.

TAVARES, L. H. D. Comércio proibido de escravos. São Paulo: Ática, 1988 (adaptado).

Ambos os textos apontam para uma relação entre escravidão e capitalismo no século XIX. Que relação é essa?

a) A imposição da escravidão à América pelo capitalismo.

b) A escravidão na América levou à superação do capitalismo.

c) A contribuição da escravidão para o desenvolvimento do sistema capitalista.

d) A superação do ideário capitalista em razão do regime escravocrata.

e) A fusão dos sistemas escravocrata e capitalista, originando um novo sistema.

A alternativa correta é a letra C.

Acesse o portal InfoEnem e tenha acesso aos melhores conteúdos e informações sobre o Enem 2021!

Por quê, Porquê, Porque e Por que: aprenda a diferença entre cada um para não errar no Enem!

A língua portuguesa é de fato muito rica e por isso traz um grande número de possibilidades para algumas palavras e isso, às vezes, pode causar dúvidas aos falantes de seu idioma. Uma dessas dúvidas mais comuns está ligada ao uso dos “porquês”. Na fala não há motivo nenhum para preocupação, mas na hora da escrita em norma padrão quase sempre é feita uma consulta para saber a diferença entre um e outro e não fazer feio no texto.
https://infoenem.com.br/por-que-porque-porque-e-por-que-aprenda-a-diferenca-entre-cada-um-para-nao-errar-no-enem/

O que é SiSU?

É o sistema informatizado do MEC por meio do qual instituições públicas de ensino superior (federais e estaduais) oferecem vagas a candidatos participantes do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
https://infoenem.com.br/como-funciona-o-sisu/

0 Shares:
1 comment
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


You May Also Like