O Enem – Exame Nacional do Ensino Médio – é um exame que integra habilidades; por exemplo, na sua proposta de redação, o candidato precisa ler e compreender a tarefa para executá-la, isto é, para escrever uma dissertação-argumentativa e, deste modo, o desempenho em uma habilidade interfere no desempenho de outra habilidade, ou seja, caso o candidato não leia e não compreenda, adequadamente, a proposta de redação como um todo, possivelmente não irá escrever o texto da maneira exigida pelo exame.
Como cada proposta de produção textual integra habilidades de formas diferentes, o candidato pode ter uma nota em determinada edição do Enem e uma outra nota (mais alta ou mais baixa) em outra edição do exame; o mesmo ocorre em vestibulares que possuem duas propostas de redação, como o da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas: o candidato não terá, necessariamente, notas semelhantes em ambos os textos. Assim sendo, não é apenas o tema da proposta de redação do Enem que influencia no desempenho do candidato, mas sim todo o conjunto da prova de produção textual (coletânea de textos motivadores, enunciado e recorte temático).
O Enem, em termos de produção textual, avalia cinco competências que estão detalhadas na Matriz de Referência que, por sua vez, serve de base para a grade de correção da proposta de redação, divulgada apenas entre os corretores, obviamente, por questões de sigilo. Como nenhum exame é perfeito, notamos algumas contradições entre as instruções contidas nos enunciados das propostas de redação e as competências da Matriz de Referência que podem interferir no desempenho dos candidatos, já que estávamos falando também em habilidades.
Vejamos, primeiramente, o enunciado da proposta de redação do Enem que, aliás, é sempre o mesmo, mudando apenas o tema da prova:
Com base na leitura dos seguintes textos motivadores e nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo na modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema _______________ , apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.
O enunciado deixa claro que o candidato deve levar em consideração os textos motivadores da coletânea textual e ordena, já que usa o tempo verbal imperativo, que o mesmo selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista. Porém, por outro lado, as instruções expostas no fim da proposta alertam que o texto que apresentar cópias, parciais ou integrais, dos textos da proposta de redação terá o número de linhas copiadas desconsideradas para efeito de correção e, por isso, muitos candidatos ficam em dúvida sobre como aproveitar os textos motivadores em suas dissertações-argumentativas, já que não fica claro se paráfrases são permitidas, por exemplo.
Ao ordenar que o candidato selecione, organize e relacione argumentos e fatos, o enunciado refere-se à coletânea de textos motivadores e como o candidato fará isso sem aproveitá-los? Obviamente que o “copiar e colar” não é indicado, mas para tanto essas instruções deveriam ser mudadas, pois argumentos, na verdade, devem ser construídos e/ou elaborados para sim, posteriormente, serem defendidos. Além disso, na Matriz de Referência, neste referida competência, na descrição ainda está escrito “interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos”, ou seja, dados contidos e apresentados nos e pelos textos motivadores. Portanto, do modo como está posto, não está claro como os textos motivadores podem ser aproveitados e explorados pelos candidatos.
Seria fundamental que a banca elaboradora do Enem revisse a escrita do descritor da terceira competência, do enunciado e das instruções acerca da proibição das cópias, já que há, claramente, há uma contradição nesta questão.
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas! Também é uma das professoras do Programa de Correção de Redação do infoEnem.
2 comments
Com todo respeito, gostaria de discordar da interpretação da respeitável professora Camila Pereira, colaboradora do InfoEnem.
O fato é que não vejo contradições entre o enunciado e a matriz de referência.
Detalho, a seguir, os equívocos que encontrei:
“Com base (1) na leitura dos seguintes textos motivadores e nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo na modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema _______________ , apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos(2) para defesa de seu ponto de vista.”
1. Usar os textos motivadores como base significa organizar seu pensamento a partir deles, resgatar discussões e conhecimentos anteriores.
2. Estes fatos e argumentos que devem ser selecionados não estão nos textos motivadores, mas nos conhecimentos prévios do candidato, uma vez que aqueles apenas servem de base.
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“O enunciado deixa claro que o candidato deve levar em consideração os textos motivadores da coletânea textual e ordena, já que usa o tempo verbal imperativo, que o mesmo selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista. Porém, por outro lado, as instruções expostas no fim da proposta alertam que o texto que apresentar cópias, parciais ou integrais, dos textos da proposta de redação terá o número de linhas copiadas desconsideradas para efeito de correção e, por isso, muitos candidatos ficam em dúvida sobre como aproveitar os textos motivadores em suas dissertações-argumentativas, já que não fica claro se paráfrases são permitidas(3) , por exemplo.”
3. Sim, fica claro que paráfrases são a única forma de utilização dos textos motivadores, já que eles devem servir de base e as cópias estão proibidas.
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“Ao ordenar que o candidato selecione, organize e relacione argumentos e fatos, o enunciado refere-se à coletânea de textos motivadores(4) e como o candidato fará isso sem aproveitá-los? Obviamente que o “copiar e colar” não é indicado, mas para tanto essas instruções deveriam ser mudadas, pois argumentos, na verdade, devem ser construídos e/ou elaborados para sim, posteriormente, serem defendidos(5) . Além disso, na Matriz de Referência, neste referida competência, na descrição ainda está escrito “interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos”, ou seja, dados contidos e apresentados nos e pelos textos motivadores. Portanto, do modo como está posto, não está claro como os textos motivadores podem ser aproveitados e explorados pelos candidatos.”
4. Não, o enunciado não se refere à coletânea, mas “aos conhecimentos construídos ao longo de sua formação”, ou seja, seus conhecimentos prévios.
5. Não, não. Os argumentos não são defendidos. Argumentos servem para defender. Assim, o que se elabora antes é o ponto de vista. E depois, selecionam-se os melhores argumentos para sua defesa.
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Penso, portanto, que toda turma de 3ª série do EM deve estudar e compreender as competências (no guia de redação do Enem), para não cair nesse tipo de dúvida.
Esperando ter colaborado com o debate, despeço-me, cordialmente.
Coaduno com tua análise Elisa.