Coronavírus: Xenofobia no Brasil e no Mundo

Nos últimos dias tem sido apresentado uma nova face do Coronavírus: a xenofobia. Já nos primeiros dias de caracterização do surto, uma série de hipóteses e fake news sobre o surgimento do vírus apareceram e inflaram visualizações e compartilhamentos, na internet. E comum que exames como o Enem incluam estes fatos em suas provas

É relevante fazer uma pausa e analisar, através da Sociologia, o conteúdo e a recepção dessas informações, sejam elas fake news ou não. Isso porque tais conteúdos carregam preconceitos e imagens estereotipadas. Sopas de morcego e supostas refeições de fetos humanos aparecem de forma descontextualizada e associam, de forma negligente, a cultura chinesa ao surgimento do vírus. É importante percebermos que estranhar uma cultura que não é a nossa pode ser natural, mas inferiorizar e exotizar é um processo histórico e sociológico.

O crítico literário Edward Said (1990) escreveu o livro “O orientalismo”, onde explica a forma como o ocidente construiu determinadas imagens sobre o oriente. Segundo o autor, existe um viés político na classificação do oriente como exótico, bárbaro e inferior. Isso porque hierarquizar as culturas dessa forma abre caminho para o argumento da dominação, da intervenção direta e da violência.

O Branqueamento como Construção Nacional

Esse tipo de inferiorização também faz parte da história brasileira. No final do século XIX houve uma política de branqueamento dentro do projeto de construção da identidade nacional. Esta política visava suprimir características indígenas e africanas dos brasileiros através da miscigenação com imigrantes que chegavam para o trabalho nas lavouras de café. Nesse processo, europeus eram desejáveis, considerados geneticamente superiores e culturalmente civilizados.  Já os asiáticos não eram bem vindos, pois se levava em conta que seus costumes, muito diferentes, não permitiriam a adaptação ao Brasil.

Essa base racista no processo de construção da nação brasileira foi acirrada durante a Era Vargas (1930-1945), em que houve repressão deliberada de hábitos e costumes de estrangeiros e uma percepção negativa dos imigrantes japoneses, alemães e italianos, durante a Segunda Guerra Mundial. Situação em que o peso do fenótipo recaiu mais sobre os asiáticos do que sobre outras comunidades imigrantes. A historiadora Marcia Takeuchi (2016) mostra como as imagens dos japoneses (sujos, carrancudos, desconfiados, falsos e exóticos) eram retratadas em periódicos de circulação nacional entre 1897 e 1945.

Embora grande parte da imigração chinesa ao Brasil tenha acontecido depois de 1950, e a maioria dos asiáticos presentes antes disso fossem japoneses, essas imagens em torno do “perigo amarelo” podem ser estendidas a qualquer outra nacionalidade ou etnia asiática. Perante o desconhecimento sobre a Ásia e suas diferenças locais, o que fica como norte de classificação é a percepção geral e preconceituosa do orientalismo.

A Percepção Brasileira sobre os Chineses

A antropóloga Rosana Pinheiro Machado faz pesquisas sobre a China e afirma que as manifestações de preconceito sobre eles são recorrentes. Suas mercadorias são tradicionalmente chamadas de “infestações” e a mídia brasileira, em 2014, apresentou o país como “China, o país que assusta”. A pesquisadora também informa que há uma percepção polarizada sobre os chineses que varia entre o bárbaro – exótico, e o trabalhador dedicado, organizado e comprometido, capaz de construir um hospital em 10 dias, por exemplo.

Ainda que essa última percepção seja positiva, ela também é produzida como uma generalização, em que um ou dois aspectos da cultura é engessado e apresentado como sinônimo de “ser chinês”, e por isso, é uma outra forma de preconceito. Portanto não é de se estranhar que em 2020 as primeiras reações sobre o coronavírus tenham se fixado nessas duas imagens, tanto de deslumbre com a tecnologia e eficiência chinesa, quanto de horror com a “barbaridade” de seus hábitos e costumes.

Por outro lado, já surgiram reações em que a comunidade chinesa aparece com cartazes dizendo “Eu não sou um vírus”. Tais mensagens já percorrem o mundo, concomitantemente a textos de oposição à xenofobia, bem como avisos à variedade de fake news em torno do tema. Essa resposta rápida contra a discriminação aponta que estamos menos ingênuos com o que circula na internet, e que esta também é um espaço para desconstrução de preconceitos.

 

Imagem reproduzida do site https://www.hypeness.com.br/2020/02/nao-sou-um-virus-acao-debate-racismo-contra-asiaticos-por-coronavirus/. Acesso dia 04/02/2020

 

O coronavírus tem grandes chances de aparecer no Enem, especialmente por ser de fácil abordagem interdisciplinar. Como foi apontado ao longo do artigo o foco na área de Sociologia é a reação social perante a epidemia e, neste caso, pode ser relacionado com fluxos migratórios, construção de estereótipos, xenofobia e Direitos Humanos.

 

Segue abaixo um exemplo de como o estereótipo (sobre a África) foi abordado pelo Enem, em 2013:

“A África também já serviu como ponto de partida para comédias bem vulgares, mas de muito sucesso, como Um príncipe em Nova York e Ace Ventura: um maluco na África; em ambas, a África parece um lugar cheio de tribos doidas e rituais de desenho animado. A animação O rei Leão, da Disney, o mais bem-sucedido filme americano ambientado na África, não chegava a contar com elenco de seres humanos.

 

LEIBOWITZ, E. Filmes de Hollywood sobre África ficam no clichê. Disponível em: http://notícias.uol.com.br. Acesso em: 17 abr. 2010.

 

A produção cinematográfica referida no texto contribui para a constituição de uma memória sobre a África e seus habitantes. Essa memória enfatiza e negligencia, respectivamente, os seguintes aspectos do continente africano:

a. A história e a natureza.

b. O exotismo e as culturas

c. A sociedade e a economia.

d. O comércio e o ambiente.

e. A diversidade e a política.”

 

O gabarito é a letra B, já que estes filmes apresentaram a África (que é todo um continente cheio de diversidade cultural: línguas, etnias, tecnologias, hábitos e costumes) apenas pelo exotismo e generalização, com uma imagem sempre atrelada à natureza e aos animais.

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