Como se sabe, os vestibulares, concursos e outros processos seletivos exigem dos candidatos um bom domínio da norma culta da Língua Portuguesa. Esse domínio pode ser cobrado por meio de questões objetivas, dissertativas ou redações e ao desrespeito às regras da norma culta denominamos ‘desvios’ ou ‘vícios de linguagem’, os quais podem se dar no nível da pronúncia/sonoridade, da grafia, da semântica ou da sintaxe.
Escritores podem lançar mão desses desvios intencionalmente. É o que chamamos de licença poética, mas aos alunos ‘espertinhos’ deixamos claro que para usar intencionalmente um ‘erro’ é preciso conhecer muito bem a norma e deixar evidente que ali há uma crítica, uma ironia, ou o gatilho para um efeito humorístico. É o que ocorre na música “Inútil”, do grupo Ultraje A Rigor:
A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente
A gente não sabemos nem escovar os dente
Tem gringo pensando que nóis é indigente
(https://www.vagalume.com.br/ultraje-a-rigor/inutil.html )
Há, na canção, um solecismo de concordância, mas intencional, para evidenciar a falta de autonomia, de competência na realização de tarefas e processos importantes.
Um dos desvios que corrijo com frequência nas redações é o uso equivocado do termo ‘independente’ pelo ‘independentemente’ – um barbarismo de morfologia, causado, provavelmente, pela hipercorreção (é a correção daquilo que já estava correto, pelo fato de o correto não ‘soar bem’ aos ouvidos do produtor do texto). Independente é adjetivo, independentemente é advérbio (=de modo independente), então deveremos dizer que “O acidente ocorreu independentemente da habilidade do motorista.” Ocorre um eco nesse advérbio que não parece adequado, daí algumas pessoas suprimirem o sufixo.
Vejamos outros exemplos de vícios a serem evitados nos textos:
- Eco: Repetição desagradável de terminações iguais.
Odete, Claudete e Elisabete foram à lanchonete e comeram omelete.
Em tempo: O eco é considerado um vício, um defeito na prosa, mas na poesia é o fundamento da rima. - Cacófato: Na junção das palavras, cria-se som desagradável, obsceno.
Juca ganhou. Vou-me já. Ele marca gol. Deu um beijo na boca dela. - Preciosismo: exagero na linguagem, prolixidade. É o “falar difícil”, que torna complicada a compreensão para o ouvinte/leitor, parece pedante, forçado e artificial. Será vício se o contexto, a situação de comunicação, ou o conhecimento linguístico do receptor não comportarem um rigor tamanho na linguagem. Nas redações, a prolixidade vai contra a objetividade exigida pelos exames e pode ser penalizada, se os termos ‘destoarem’ do padrão do texto.
Para descontrair, veja algumas frases coloquiais ‘tingidas’ com as cores do preciosismo:
- Retirar o filhote de equino da perturbação pluviométrica.
- A bucéfalo de oferendas não se perquire formação odontológica
- Colóquio sonolento para bovino repousar.
- Derrubar, com a extremidade do membro inferior, o suporte sustentáculo de uma das unidades de acampamento.
- Aplicar a contravenção do Dr. João, deficiente físico de um dos membros superiores.
- Sequer considerar a possibilidade da fêmea bovina expirar fortes contrações laringo-bucais.
- Derramar água pelo chão através do tombamento violento e premeditado de seu recipiente.
Até a próxima semana!
1 1) Tirar o cavalinho da chuva; 2) A cavalo dado não se olha os dentes; 3) Conversa mole para boi dormir; 4) Chutar o pau da barraca; 5) dar uma de João sem braço; 6) Nem que a vaca tussa; 7) Chutar o balde.
Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Com mais de 20 anos de experiência, corretora do nosso Curso de Redação Online (CLIQUE AQUI para saber mais) e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoEnem, a professora é colunista de gramática do nosso portal. Seus textos são publicados todos os domingos. Não perca!
1 comment
Visando respeitar as regras da norma culta, na medida do possível sempre procurei prezar.