Desde os anos iniciais da escolarização, aprendemos algumas regras a respeito do emprego de iniciais maiúsculas nos substantivos próprios (nomes próprios de pessoas, lugares, seres personificados ou mitológicos, instituições, festividades) e no início de frases. Algumas circunstâncias, porém, que não se encaixam nessas duas situações, suscitam dúvidas em quem precisa redigir textos dentro do padrão culto da Língua Portuguesa.
O Novo Acordo Ortográfico trata do assunto e nele há a seguinte determinação:
“A letra minúscula inicial é usada:
a) Ordinariamente, em todos os vocábulos da língua nos usos correntes”
Por influência de outros idiomas, é comum haver confusão na grafia de algumas palavras, por isso esclarecemos que serão escritas com letras minúsculas:
- os nomes dos dias da semana e dos meses;
- das estações do ano;
- dos pontos cardeais, quando não estiverem nomeando regiões geográficas;
- os termos empregados para indicar a indefinição de identidade, como fulano, beltrano e sicrano.
Após o ponto final não é comum que haja dúvidas: a frase seguinte será iniciada por maiúsculas, mas… e após as reticências?
Quanto às reticências, usaremos minúsculas se o que vier a seguir fizer parte da mesma frase (Eu tenho medo… de baratas!), ou maiúsculas se iniciar frase diferente (Eu tenho medo de baratas… Você tem medo de quê?).
Há ainda o emprego estilístico de maiúsculas e minúsculas. José Saramago é um dos autores que ‘brinca’ com a pontuação e, consequentemente, com o emprego de iniciais maiúsculas no início de frases mesmo não havendo sinal (ponto final ou dois pontos) marcando o encerramento da frase anterior, mas uma vírgula, dando um ritmo particular às suas narrativas, como se vê a seguir:
(…)Perguntou el-rei, É verdade o que acaba de dizer-me sua eminência, que se eu prometer levantar um convento em Mafra terei filhos, e o frade respondeu, Verdade é, senhor, porém só se o convento for franciscano, e tornou el-rei, Como sabeis, e frei António disse, Sei, não sei como vim a saber, eu sou apenas a boca de que a verdade se serve para falar, a fé não tem mais que responder, construa vossa majestade o convento e terá brevemente sucessão, não o construa e Deus decidirá. (…)Então D. João, o quinto do seu nome, assim assegurado sobre o mérito do empenho, levantou a voz para que claramente o ouvisse quem estava e o soubessem amanhã cidade e reino, Prometo, pela minha palavra real, que farei construir um convento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que estamos, e todos disseram, Deus ouça vossa majestade, e ninguém ali sabia quem iria ser posto à prova, se o mesmo Deus, se a virtude de frei António, se a potência do rei, ou, finalmente, a fertilidade dificultosa da rainha.
A música Sampa, de Caetano Veloso, na transcrição para exercícios na obra de Platão e Fiorin1, aparece inteiramente em letras minúsculas, o que funciona como uma ‘camuflagem’ para as referências intertextuais espalhadas pelo texto, de modo que apenas o leitor atento e com amplo repertório cultural identifique-as:
alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a ipiranga e a avenida são joão
(…)
quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
é que narciso acha feio o que não é espelho
e à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
nada do que não era antes quando não somos mutantes2(…)
do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
da força da grana que ergue e destrói coisas belas
da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos3, espaços (…)e os novos baianos4 passeiam na tua garoa
e novos baianos te podem curtir numa boa
No próximo artigo, veremos alguns casos em que o emprego de maiúsculas ou minúsculas é opcional.
Até a próxima semana!
- “Para entender o texto – Leitura e redação”, São Paulo: Ática, 2010.
- Os Mutantes, grupo musical integrado por Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Batista
- Os irmãos Haroldo e Humberto de Campos
- Grupo integrado, entre outros, por Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Moraes Moreira
Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Com mais de 20 anos de experiência, corretora do nosso Curso de Redação Online (CLIQUE AQUI para saber mais) e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoEnem, a professora é colunista de gramática do nosso portal. Seus textos são publicados todos os domingos. Não perca!