Encontrei, ao corrigir algumas lições de casa e redações, os termos “famílha” e “sandálha”, o que me levou a algumas reflexões sobre a frequência desses desvios da norma no que diz respeito à ortografia/pronúncia.
A proximidade sonora entre essas sílabas leva, muitas vezes, à confusão. Contudo, essa troca não espanta os etimólogos, estudiosos que se dedicam à pesquisa sobre a origem das palavras, uma vez que, ao longo da evolução da Língua Portuguesa, existe uma tendência de palavras grafadas com ‘LI’ em Latim resultarem em ‘LH’ ou ‘LI’ em Português. Veja alguns exemplos:
Latim – Português
- Filius – filho
- Follium – folha
- Canalia – ‘caalia’(forma intermediária) – calha
Esses vocábulos derivaram de termos com ‘LI’ e ficaram, em Português, com ‘LH’, mas estes seguiram um caminho diferente e mantiveram o ‘LI:
- Cillium – cílio
- Familia – família
- Sandalia (do grego ‘sandalion) – sandália
Entretanto, também aconteceu de algumas palavras latinas darem origem a dois termos, um com L e outro com LH, com sentidos distintos, transformando-se em casos de paronímia (confira esse artigo sobre o assunto em).
- Julius – Júlio , mas o mês dedicado a Júlio César é julho
- Caballarius (que entrou no Latim, vindo do Germânico – o animal, em Roma era ‘equus’) – resultou em cavaleiro (quem monta o animal) e cavalheiro (aquele que possui educação esmerada)
- Fillius (por um processo de prefixação + sufixação) resultou em afilhado (aquele que recebe proteção/cuidado como se fosse filho) e afiliado (sócio, o que se afilia – torna-se ‘filho’ de uma instituição)
Outra tendência natural das línguas latinas é a redução do ‘LH’ a apenas ‘I’, como bem observam os linguistas nas variantes denominadas ‘não-cultas’ ou o ‘falar caipira’. Tal redução virou, inclusive, mote para o poeta Oswald de Andrade:
Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Como muitos modernistas, ele faz uma crítica contra o preconceito linguístico e chama a atenção para a necessidade de respeitar o diferente, pois, para ele, as pessoas que empregam as formas “mio”, “mió”, “pió”, “teia”, “teiado”, de certa forma, constroem um “telhado”, ou seja, sob o qual se abrigam novas formas de pronúncia que se sobressaem, em muitos casos, à norma culta.
Enfim, conforme apresentei no artigo da semana passada (veja aqui), cada variante linguística tem seu valor e cabe aos falantes fazer a adequação no momento da escolha, para estabelecer a comunicação de modo eficiente e eficaz. E para as situações em que a norma culta é obrigatória, recorramos ao dicionário para sanar a dúvida!
Até a próxima semana!
Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Com mais de 20 anos de experiência, corretora do nosso Curso de Redação Online (CLIQUE AQUI para saber mais) e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoEnem, a professora é colunista de gramática do nosso portal. Seus textos são publicados todos os domingos. Não perca!