Os corintianos mais velhos, aqueles que passaram pelo longo período sem títulos (23 anos!) hão de se lembrar do memorável presidente Vicente Matheus. Entre as inúmeras pérolas dita por ele, nas mais diversas situações1, está o célebre agradecimento feito em uma comemoração no clube: “agradeço à Antarctica pelas ‘brahminhas’ que nos mandaram”.
O que produziu o humor na passagem mencionada foi o emprego de uma metonímia. E o que vem a ser isso? O termo é derivado do grego metonymía: o prefixo meta quer dizer “mudança” e o termo onoma significa “nome”. Temos então uma “mudança de nome”. A metonímia, portanto, é uma figura de linguagem em que se emprega uma palavra por outra, desde que haja, entre elas, uma relação de contiguidade, ou seja, há uma proximidade de sentido entre os termos.
É preciso atenção para não confundir metáfora e metonímia: a metáfora é construída a partir de uma associação de ideias, de semelhança, de comparação mental (o receptor é quem deverá identificar o ponto em comum entre os referentes para decifrar a metáfora). Já a metonímia é a simples troca de uma palavra por outra (mas essa troca só é possível entre palavras que apresentam entre si uma contiguidade de sentidos).
Vejamos alguns exemplos de metonímia:
- Ler Machado de Assis ajuda a entender a sociedade da época (=a obra de Machado)
- Devemos respeitar os cabelos brancos (= as pessoas idosas)
A proximidade de sentidos pode ser de autor pela obra, de parte pelo todo, de lugar pelo produto, de continente pelo conteúdo, de marca pelo produto, entre outras.
É sobre essa última relação que se estabelece a metonímia criada por Vicente Matheus. De propósito ou não (nunca saberemos!), o então presidente do Corinthians fez referência ao produto (cerveja) pela marca (Brahma). A questão é que empresa que havia fornecido a bebida para o evento não era a dona a marca mais famosa, criando-se assim a pérola do folclore futebolístico.
Na literatura também encontramos esse procedimento. Vejamos o poema “A laçada”, de Oswald de Andrade:
“O Bento caiu como um touro
No terreiro
E o médico veio de Chevrolé
Trazendo o prognóstico
E toda a minha infância nos olhos”.
Temos no texto a marca, aportuguesada, (Chevrolet) no lugar do termo ‘automóvel’.
E apesar de ser um elemento das análises estilísticas, essa figura é bastante frequente no nosso dia a dia. Aqui estão algumas metonímias presentes nas listas de compras do supermercado:
- Danone = iogurte
- Gilete = lâmina de barbear
- Chiclete = goma de mascar
- Nescau / Toddy (disputa eterna!!!) = achocolatado em pó
- Bombril = esponja de aço
- Xerox = fotocópia
- Leite Ninho = leite em pó
- Leite Moça = leite condensado
Esses são apenas alguns dos produtos que podemos nomear por meio de metonímias no nosso cotidiano. É claro que alguns vão acabar sendo substituídos por novas marcas, outros vão deixar de existir, tudo isso conforme a dinâmica do mercado. Mas o que eu gostaria de frisar é que não é preciso ser versados nas nuances da Estilística para empregarmos as figuras de linguagem na comunicação diária. Fazemos isso naturalmente nas situações mais corriqueiras, como uma ida ao supermercado.
Até a próxima semana!
1 Algumas podem ser encontradas na obra “Os humores da língua”, do Prof. Sírio Possenti, da Unicamp e outras na tese de doutorado de Sérgio Miranda Paz, “O FUTEBOL COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL”.
Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde também concluiu seu mestrado. Mais de 20 anos de experiência, corretora do nosso sistema de correção de redação e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoenem, a professora é colunista de gramática do nosso portal . Seus textos são publicados todos os domingos. Não perca!