Ah, meu filho terá de fazer cursinho neste ano! Ele não passou em nenhuma seleção do Sisu (Sistema de Seleção Unificada) porque zerou a redação… Ao invés de ele escrever sobre surdos, ele escreveu sobre cegos! Ele fez a redação por último no dia… Falei para ele fazer primeiro a redação, com a cabeça fresca… Daí quando ele me mostrou o rascunho em casa e eu li, mostrei para ele o que ele tinha feito e ele chorou feito criança. Falou que escreveu o texto em menos de quarenta minutos para dar tempo de entregar.
Este é o relato real de uma professora de música cujo filho prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2017) e teve a redação anulada porque não cumpriu o tema da proposta. O garoto, aos dezessete anos, recém-saído do Ensino Médio, talvez não estava preparado, inclusive emocionalmente, para uma maratona de provas como é o Enem.
Infelizmente, este relato não é incomum. Todos os anos, o principal motivo de anulação de uma redação no Enem é o não cumprimento do tema, ou seja, a fuga do tema. Só na última edição, receberam nota zero 309.157 textos e a maioria foi devido a fuga do tema proposto e muitos participantes cometeram o mesmo erro do filho da professora de música: escreveram sobre os desafios da formação escolar dos deficientes visuais e não dos deficientes auditivos.
Sem dúvida, isto se deve ao fato de haver menção ao Braile na coletânea de textos motivadores da proposta de redação do Enem 2017, ao lado da menção à Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Neste caso, temos uma mistura perigosa: problemas em interpretação de texto somados à pressa, ansiedade, falta de controle do tempo e desatenção devido ao cansaço físico e mental.
O participante em questão poderia ter feito a redação logo no início e ter tirado uma boa nota? Sim. Ele poderia ter feito o texto primeiro e ter tirado uma nota ruim? Sim também. Ele poderia ter feito a redação depois de responder as questões e ter tirado uma nota acima da média? Sem dúvidas.
O caso não é determinar se a redação deve ser feita por primeiro ou por último, já que cada participante tem seus costumes ao fazer uma prova de mais de uma disciplina; a questão é quanto de atenção e de disposição ele tem para se dedicar à redação. Como o Enem é um exame longo, praticamente uma prova de resistência física, algo sairá prejudicado, mas esse prejuízo deve ser o menor possível.
Além disso, também é muito comum o participante ter sua redação anulada por ter copiado trechos da coletânea de textos motivadores, o que é proibido pelo edital do Enem.
Textos com menos de sete linhas são considerados insuficientes pela banca corretora, até porque em sete linhas é impossível escrever uma dissertação-argumentativa coerente, coesa e com progressão temática. Também não é possível redigir uma dissertação-argumentativa sem conhecer sua estrutura, o que caracteriza não cumprimento do tipo textual, razão também para anulação.
Segundo a revista Exame, na edição de 2014 do Enem, os principais motivos de anulação da redação foram os seguintes:
Naquela época, o desrespeito aos Direitos Humanos ainda era um critério para anulação dos textos, descritor derrubado em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (leia mais). Agora, até segunda ordem, as redações que ferirem os Direitos Humanos terão prejuízo de nota na quinta competência, apenas.
Dos motivos listados pela revista, consideramos que três deles são fáceis de ser contornados: cópia dos textos motivadores, texto insuficiente e parte desconectada (proposital ou não). Basta escrever mais de sete linhas (a folha de redação do Enem tem trinta linhas), sem copiar nada dos trechos motivadores e sem escrever partes desconectadas, o que culmina em um texto coeso e coerente.
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada em Letras/Português e mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas e do Curso Online do infoEnem. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!