No início do mês de junho uma notícia mostrou o quanto o povo brasileiro está polarizado, dividido, não só em termos políticos, mas também em relação a outros temas, como por exemplo, violência, punições, leis e justiça.
O caso ocorreu em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, e ganhou as páginas dos jornais e das revistas e espaço nos portais de notícias na internet e nos canais de televisão.
Um jovem menor de idade, depois de desaparecido, foi encontrado pela família e, na sua testa, havia uma tatuagem recente na qual está escrito “eu sou ladrão e vacilão“. A tatuagem foi feita no dia 9 de junho, uma sexta-feira, contra a vontade do menor que, inclusive, foi filmado, amarrado em uma cadeira, enquanto era tatuado por um tatuador profissional de 27 anos que estava acompanhado de um pedreiro de 29 anos. Segundo informações, os dois adultos resolveram castigar o menor por ele ter tentado furtar uma bicicleta de um terceiro, afirmação negada pelo mesmo. Tanto o tatuador quanto o pedreiro foram presos no dia 10 de junho, um sábado, sob a acusação de crime de tortura.
Não é a primeira vez que o Brasil lê manchetes deste tipo, de casos em que cidadãos dizem estar fazendo justiça com as próprias mãos. Desta vez foi uma tatuagem, mas já houve casos de prender um suspeito a um poste enquanto a Polícia Militar não chega, espancamentos e linchamentos que às vezes acabam em mortes violentas, exposição da imagem das pessoas na internet e assim por diante.
Em todos os casos, há uma clara divisão de opiniões entre a população. De um lado, há pessoas que não concordam com a justiça pelas próprias mãos, já que ela não é amparada pela legislação brasileira e normalmente responde com violência, o que gera mais violência e fere os direitos humanos, ou seja, não é justiça de verdade. Do outro lado há quem pense que o melhor é a lei de Talião – olho por olho,dente por dente – que resume a reciprocidade do crime e da pena, isto é, a lei da retaliação. Neste sentido, muitos pensam que o menor mereceu a tatuagem como punição.
Segundo a lei 9.455, de 07 de abril de 1997, em seu primeiro artigo, constitui crime de tortura
- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
- com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
- para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
- em razão de discriminação racial ou religiosa;
- submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
Assim sendo, de acordo com esta lei, a tatuagem feita à revelia do jovem foi um crime de tortura, pois foi empregada violência, causando um intenso sofrimento físico e emocional, já que tal escrito causa inúmeros constrangimentos e ele ficará marcado para sempre, mesmo após a remoção da tatuagem.
Casos deste tipo já foram legais perante a lei em épocas atrás. Na Grécia e na Pérsia antigas, no século V antes de Cristo, tatuagens eram consideradas umas das formas de se punir alguém, marcando para sempre seu mal feito. No Império Romano, já no século IX depois de Cristo, criminosos e escravos eram tatuados com desenhos específicos para serem reconhecidos entre as demais pessoas.
A punição mais recente data do século XIX, no Japão, onde a tatuagem, justamente na testa, era castigo para crimes considerados leves, algo que durou até o ano de 1872. No Holocausto, os judeus presos nos campos de concentração também eram tatuados com códigos, em seus braços, para serem identificados.
Voltando a questão como um possível tema de proposta de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), não podemos nos esquecer de que a quinta competência da grade de correção avalia uma proposta de intervenção social que respeite os direitos humanos e, deste modo, os candidatos que, em uma hipótese, defenderem a “justiça” pelas próprias mãos estarão ferindo os direitos humanos, já que o crime de tortura vai totalmente contra os mesmos.
Desde o século XIX, evoluímos como sociedade e, juntamente a isso, as leis também foram atualizadas e o ideal seria que as penas de reclusão fossem, inclusive, penas que regenerassem o infrator, já que ele, um dia, voltará ao convívio social e muitos deles retornam ao crime por inúmeras razões. Porém, o que vemos no Brasil é, infelizmente, presídios como verdadeiras escolas do crime.
Caso o menino realmente furtou a bicicleta, que ele seja punido devidamente como mandam as leis brasileiras, garantindo sua integridade física, e não o torturando com uma tatuagem feita contra a sua vontade, de maneira forçada, causando danos físicos e emocionais também para a sua família. Aliás, se fôssemos tatuar todo mundo que faz alguma coisa errada, faltariam tatuadores neste país.
Enfim, defendemos neste texto a punição de crimes e de infrações de acordo com a legislação brasileira, garantindo os direitos humanos e visando a regeneração do infrator e não responder com mais violência, ferindo os direitos humanos.
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*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!