Redação do Enem: Divulgar ou Não Redações Nota 1.000?

Há algumas semanas, publicamos um texto (veja aqui) criticando uma “onda de decoreba” em relação a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que tomou conta da internet e dos canais do Youtube. Mais especificamente, tecemos críticas a respeito de vídeos feitos e publicados por estudantes, participantes do exame, nos quais a “decoreba” é incentivada por meio da menção de diversas frases de efeito para se escrever na dissertação-argumentativa do Enem, sem nenhuma preocupação com o tema e com o viés temático da proposta de redação.

Em contrapartida, alguns de nossos leitores que comentaram esta publicação concordaram conosco nesta posição, mas atribuíram tal fato à correção “falha” das redações das edições do Enem que, segundo eles, levam os estudantes a “treinarem” desta maneira para a prova, isto é, decorando citações de escritores, historiadores, filósofos dentre outras figuras de autoridade. De acordo com alguns comentários, a correção erra ao não prejudicar textos que parecem encaixar trechos decorados sem a preocupação se esse encaixe dará certo levando em consideração o tema, a proposta de redação e o recorte temático proposto pela coletânea de textos motivadores.

Concordamos que a correção das redações das provas de produção de texto do Enem apresenta falhas que há vários anos já deveriam ter sido reparadas, mas também levamos em consideração a grande dificuldade de se elaborar, aplicar e corrigir um exame de dimensões continentais feito por milhões de brasileiros.

Porém, tal “onda de decoreba” propagandeada pelos vídeos consumidos por uma geração acostumada à rapidez, ao dinamismo e ao consumo fácil propiciado pela internet também nos leva a pensar em um outro fator que pode contribuir ou não para tal fenômeno: a divulgação de redações nota máxima, as famosas redações nota 1.000.

No último guia do participante, publicado pelo Ministério da Educação e pelo Inep em 2016 (faça o download), textos que obtiveram notas máximas no Enem 2015 foram publicados juntamente com análises, algo inédito em relação ao Enem. No entanto, desde que os espelhos das redações começaram a ser acessados pelos participantes, portais de notícias passaram a publicar verdadeiras coletâneas de dissertações-argumentativas nota 1.000, mostrando seus autores, suas origens, em quais cursos e univerdades ingressaram, juntamente com dicas de estudos etc.

A Fuvest e a Comvest, organizadoras dos vestibulares da USP e da Unicamp, respectivamente, também publicam, por meio dos seus sites e de livros, exemplos de redações que obtiveram notas máximas em suas provas de produção de texto, mas essas divulgações não parecem ter o mesmo impacto na sociedade que a divulgação das redações nota máxima do Enem.

Isso talvez aconteça porque a Fuvest varia muito o tom, digamos assim, de seus temas de redação: já houve temas objetivos como também temas filosóficos. Já o vestibular da Unicamp apresenta dois textos de escrita obrigatória e estes são dois gêneros diferentes, com propostas e objetivos totalmente distintos entre si, ou seja, uma verdadeira caixinha de surpresas.

O tema da proposta de redação do Enem também não deixa de ser uma surpresa (veja possíveis temas), mas como em todo o ano este é uma questão brasileira de cunho social que precisa de propostas de intervenção ou de solução, fica mais fácil de se pensar que existe uma receita pronta para qualquer tema quando, na verdade, isso é uma mentira. Tal fato parece incentivar um “treinamento” baseado em fórmulas prontas, receitas mágicas e “decoreba”, ou seja, uma grande falácia.

O que existem são caminhos possíveis de introdução, desenvolvimento e conclusão de uma dissertação-argumentativa, mas estes caminhos só poderão ser vedadeiramente traçados após conhecermos o tema, a coletânea de textos motivadores e o recorte temático da prova de redação, seja ela de qualquer vestibular e exame.

Nesse sentido, será que ainda vale a pena divulgar, sem quase nenhum cuidado e atenção, redações que obtiveram nota 1.000, já que parece que essa divulgação cria um falso padrão seguido pelos estudantes e candidatos ao exame.

O que vocês acham?

Até a próxima semana!

 
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*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).

 
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!

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