Redação do Enem: Liberdade de Expressão X Discurso de Ódio

A grade de correção da redação do Enem possui um item específico, próprio do exame, que diz respeito à elaboração de uma proposta de intervenção social – a quinta competência avaliada pela banca – que deve ser desenvolvida acerca do tema que, por sua vez, tem como tradição ser de cunho social e estar contextualizado no cenário brasileiro.

Nesta competência, o candidato deve elaborar uma proposta de intervenção social plausível, ou seja, que possa, na realidade, ser colocada em prática e, se possível, com detalhes. A ausência de uma proposta de intervenção social em uma redação do Enem resulta na nota zero na quinta competência avaliada pela banca.

Apesar desta especificidade da prova de redação do Enem, a proposta de intervenção social pode ser elaborada em demais exames nos quais os temas das propostas de redação exijam ou possibilitem o desenvolvimento de uma solução ou de uma resposta a uma pergunta.

Alguns vestibulares, nos temas das provas de redação, questionam os candidatos e, assim, requerem que estes respondam a uma pergunta. Podemos tomar como exemplos alguns temas de redação dos vestibulares da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP:

  • “Há exagero na relação entre humanos e animais de estimação?” – 2008 (meio de ano):
  • “O homem: inimigo do planeta?” – 2009
  • “A bajulação: virtude ou defeito?” – 2012
  • “Corrupção no Congresso nacional: reflexo da sociedade brasileira?” – 2014

Temas como estes exigem uma resposta por parte dos candidatos e a ausência de uma resposta configura como um não cumprimento total do tema e da proposta de redação.

Além da obrigatoriedade da resposta, o candidato deve atentar-se para a qualidade desta resposta que, por sua vez, deve estar em consonância com o restante do texto, ou seja, de acordo com o tema e com os argumentos desenvolvidos ao longo da dissertação-argumentativa.

A resposta ou a intervenção social, além de estarem de acordo com o restante do texto, isto é, além de serem coerentes devem respeitar os direitos humanos e, portanto, não devem ser exemplos de discursos radicais e fundamentalistas. Não podemos confundir liberdade de expressão com discurso de ódio.

A liberdade de expressão é uma garantia constitucional, mas quando por meio dela um discurso de ódio de cunho preconceituoso, racista, homofóbico, xenofóbico, machista, fundamentalista etc é proferido devemos nos posicionar de maneira contrária, já que devemos buscar viver em uma sociedade mais amigável que debata, sem ferir os direitos humanos, questões que dizem respeito a grupos sociais alvos de preconceitos como homossexuais, travestis, transexuais, transgêneros, negros, índios, mulheres dentre outros.

Podemos exemplificar a diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio relembrando a fala do então candidato à Presidência da República Levy Fidelix no debate promovido pela rede Record de Televisão no dia 29 de setembro último. Ao ser questionado pela então candidata Luciana Genro acerca das família homoafetivas, Fidelix declarou-se contra a questão, o que configura liberdade de expressão, porém, ao afirmar que deve-se combater e enfrentar essa minoria (a população LGBT) e mantê-la longe dele o candidato proferiu um discurso de ódio.

Além disso, Fidelix mostrou que, além de não respeitar a população LGBT, confunde temas, já que relacionou homossexualidade com pedofilia (talvez o fez propositalmente) ao mencionar que o Papa Francisco expulsou do Vaticano um padre pedófilo. Homossexualidade e pedofilia são questões distintas e a fala do candidato, ao tecer esta relação equivocada,coloca que todo homossexual é pedófilo, o que é um erro grosseiro.

Discordar de algo é normal, é um direito, mas colocar-se contra ao ponto de proferir um discurso de ódio não é normal e temos o dever de combater este tipo de declaração a fim de conscientizarmos as pessoas sobre a importância do respeito e da educação.

O Enem, ao colocar como exigência a consonância para com os Direitos Humanos, não está apenas sendo politicamente correto, mas também está promovendo uma conscientização de seus candidatos.

Portanto, não devemos confundir, em nossas redações e em nossas vidas, liberdade de expressão (que deve ser promovida, acima de tudo, de modo educado e respeitoso) com discurso de ódio.

 

 


*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).

**Camila também é colunista semanal sobre redação do infoEnem. Um orgulho para nosso portal e um presente para nossos milhares de leitores! Seus artigos serão publicados todas às quintas-feiras, não percam!

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3 comments
  1. Kkkkkk. Fica a dica de nael Nery “tal professora” camila dalla pozza !
    Sugere se um retorno imediato a academia de letras.

  2. Kkkkkk. Fica a dica de nael Nery “tal professora” kamila pozza !
    Sugere se um retorno imediato a academia de letras.

  3. Prezada Editora,

    Concordo com o seu discurso de que o ENEM promove a conscientização dos jovens no momento em que ele exige o respeito aos Direitos Humanos. Fica evidente o maior propósito: educar, de fato, a juventude brasileira. Além disso, vale ressaltar que discursos preconceituosos evidenciados no parágrafo de conclusão são passivos de penalidade máxima, nota zero em toda a redação. Estou certo? Assim sendo, a prova de produção textual do ENEM torna-se uma importante ferramenta no combate ao preconceito e à intolerância.

    No entanto, cara Editora, discordo, em parte, de seu discurso em relação ao presidenciável. Primeiramente, na minha interpretação, o candidato, no momento em que convocou a maioria para combater a minoria, queria, embasado nas suas concepções e crenças, difundir a sua ideologia, da qual muitos brasileiros compartilham, que por um acaso vai de encontro com os propósitos da comunidade LGBT. Além disso, ele concluiu afirmando que não estimularia, mas se estivesse na lei, que ficasse como estivesse. Até aí, para mim, ele não proferiu o “discurso de ódio”, só utilizou de sua liberdade de expressão. Entenda: como muitos homossexuais querem mudar o comportamento e o modo de pensar da sociedade, com um discurso persuasivo, além de contarem com o forte apoio da mídia, ele, o presidenciável, não cedeu às pressões, visto que ele também compartilha do desejo de mudar o comportamento da posição oposta, embasado na sua ideologia.

    Porém, como eu disse, discordo em parte, visto que o fechamento do seu segundo discurso foi, visivelmente, de pura intolerância, quando ele sugeriu o apoio psicológico aos indivíduos “com esses problemas”, o que retomou seu ponto de vista, mas que fosse bem longe ” da gente”, termo subentendido como sociedade “sem problemas”, que não aderiu aos princípios da homossexualidade. Entretanto, considero apenas o seu primeiro discurso, que posteriormente foi tomado pela sua exaltação.

    Dito isso, concluo que o candidato, com suas ideologias escancaradamente tendenciosas, que visam reprimir uma minoria, estava claramente despreparado para ser o sucessor de Dilma. Além disso, condeno ainda mais seu discurso como candidato à Presidência, visto que ele foi instigador, ou seja, poderia ser mal interpretado, como foi, tanto pelos apoiadores, que, como eu pude ver na internet, absorveram ideias erradas, ideias que maximizavam o preconceito e a intolerância, quanto pelos opositores, que talvez por conta da atual pressão da mídia, ainda estão intolerantes a ideologias como a de Fidelix, estes que também, muitas vezes, são intransigentes e proferem “discursos de ódio”.

    Para finalizar, sugiro, professora, que substitua o termo “discurso de ódio” por um sinônimo, como os que eu citei no meu discurso: intolerância e intransigência, não por não representar bem a sua opinião, pelo contrário, penso que ilustra perfeitamente o seu ponto de vista. E sim por causa da possibilidade de que surjam interpretações equivocadas, que também promovam o que você combate: a intolerância. Isto é, o termo mais sutil teria menores possibilidades de instigar discursos e opiniões ofensivas.

    Atenciosamente,

    Nael Neri.

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