Redação Enem 2015: Variedades Linguísticas

Caro leitor,

Imagine que, em um mesmo dia de sábado, você tem dois compromissos: um churrasco na hora do almoço, em uma chácara com piscina e, à noite, um casamento religioso e a recepção em um salão de festas. Você iria com a mesma roupa nos dois eventos?

As normas de etiqueta e de decoro (relativo ao comportamento) nos orientam, juntamente com o bom senso, a não irmos com a mesma roupa a um churrasco na hora do almoço e a um casamento à noite, pois o primeiro evento é de caráter informal e o segundo é de caráter formal. Ao churrasco, podemos ir com roupas informais e do dia a dia, até podemos levar roupas de banho, pois, no nosso caso, há uma piscina que é sempre bem vinda. Por outro lado, o casamento requer uma vestimenta formal, no mínimo um traje esporte fino (dependendo do desejo dos noivos, diga-se de passagem), pois trata-se de uma cerimônia religiosa (a qual devemos respeitar, inclusive, na nossas escolhas de roupa) e de uma festa mais elaborada.

Agora, prezado leitor, imagine que você, em um mesmo dia, tem uma entrevista de emprego no fim da tarde e um amigo lhe convidou para ir a um barzinho no início da noite. Você pode até ir com a mesma roupa em ambos os compromissos, já que um será em seguida do outro e talvez não haja tempo para passar em casa, tomar um banho e trocar de roupa (os homens podem tirar a gravata e as mulheres podem realçar a maquiagem, por exemplo, para irem ao barzinho), mas em relação a linguagem, você falaria com o entrevistador do mesmo jeito que conversa com o seu amigo?

A Linguística diz que não. Há duas modalidades de língua, a oral e a escrita e, em paralelo, há duas variedades: a formal e a informal. Dentro dessas variedades, há outras mais relacionadas a aspectos geográficos (urbana e rural), de gênero (homem e mulher e as gírias dos diversos grupos de representação como gays, transexual, travestis etc), sociais, econômicos dentre outros.

Assim, devemos seguir as modalidades e as variedades requeridas pelo contexto no qual estamos inseridos. Em uma entrevista de emprego, por exemplo, devemos falar de modo formal, já que estamos conversando com alguém que está nos avaliando e que, provavelmente, caso a entrevista seja positiva, será o nosso superior na hierarquia da empresa. Já em um encontro com amigos em um barzinho, por exemplo, estaremos conversando com uma pessoa igual a nós, isto é, do mesmo nível e, portanto, podemos falar de modo informal.

variedades-lingusticas

O mesmo ocorre ao escrevermos. Você escreveria, na mesma variedade linguística, uma mensagem por e-mail para o seu professor da universidade e outra mensagem para um amigo? Não. Apesar de ambas estarem na modalidade escrita, as variedades podem ser diferentes e são, pois sempre tendemos a nos adequarmos à situação de comunicação.

Em uma mensagem para o professor da universidade, devemos nos dirigir com polidez, com respeito, ou seja, de maneira formal; já em uma mensagem para um amigo, também devemos mostrar respeito, mas podemos fazê-lo com mais intimidade, carinho e, portanto, de maneira informal.

Esses exemplos foram postos para fazermos com que você, leitor, reflita acerca da variedade linguística existente no Brasil e sobre como devemos nos adequar nas mais diversas situações de comunicação, orais e escritas, nas quais estamos envolvidos no nosso dia a dia.

Na redação do Enem 2015, por se tratar de uma situação avaliativa na qual devemos escrever uma dissertação-argumentativa, isto é, um tipo textual de caráter escrito e formal, devemos atentar às regras gramaticais da Língua Portuguesa e seguir determinados padrões. Não devemos escrever gêneros formais como escrevemos gêneros informais, para interlocutores íntimos.

Durante a semana passada, o Jornal Hoje, da rede Globo, exibiu uma série de reportagens a respeito da língua que falamos no Brasil e tratou, de maneira quase inédita, das variedades linguísticas brasileiras. O “quase inéditas” deve-se ao fato de haver, nas reportagens, entrevistas de linguistas como Ataliba Teixeira de Castilho (professor da USP e UNICAMP) e Rodolfo Ilari (UNICAMP) explicando que não há certo e errado e sim adequado e inadequado dependendo do contexto da situação de comunicação no qual estamos inseridos. Falas de linguistas, normalmente, não são incluídas em matérias jornalísticas sobre língua e linguagem no nosso país; esperemos que esse seja o início de uma mudança.

Deste modo, caro leitor, esperamos que tenhamos contribuído para a sua reflexão acerca da adequação no momento de falar e escrever.

 


*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).

**Camila também é colunista semanal sobre redação do infoEnem. Um orgulho para nosso portal e um presente para nossos milhares de leitores! Seus artigos serão publicados todas às quintas-feiras, não percam!

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2 comments
  1. Algumas peculiaridades gramaticais do português falado no Nordeste são: a omissão do artigo definido antes de nome próprio com a função implícita e instintiva de diferenciar objetos, animais e coisas de pessoas e afins, poupando assim artigos que seriam desnecessários e em demasiado “artificialesco”(forçado, algo não-natural e não-espontâneo), e acordo com os vossos falantes(p. ex.: “Maria foi à feira” em vez de “A Maria foi na feira”) e a inversão da colocação da partícula negativa (p. ex.: “Sei não” em vez de “Não sei”).

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