O movimento intitulado “greve dos caminhoneiros” parou o Brasil nos últimos dias e gerou um grande movimento da mídia e nas redes sociais. A imprensa tem acompanhado de perto a mobilização dos caminheiros (e agora dos petroleiros) e as redes sociais ganharam mais volume ainda com discussões, debates e postagens favoráveis e contrárias à greve; nada mais comum em um estado democrático de direito no qual há liberdade de imprensa e liberdade de expressão.
Até podemos refletir sobre todos os aspectos envolvidos neste movimento (papel do Estado, papel das grandes empresas de transporte, papel dos caminheiros autônomos, papel da Petrobrás e sua política de preços, a questão do petróleo e da nossa completa dependência do sistema rodoviário em detrimento do sistema ferroviário, justamente a favor dos interesses da indústria automobilística etc.) e, de maneira transdisciplinar, pensarmos sobre como tudo isso poderá ser cobrado em vestibulares e no Exame Nacional do Ensino Médio. Professores de História, Geografia, Ciências Sociais e Filosofia têm em mãos uma gama de temas a tratar com seus alunos.
Já no que concerne a Língua Portuguesa, meus colegas de profissão têm em mãos uma gama de discursos para analisar; aliás, os analistas do discursos estão com um prato cheio para várias pesquisas.
Nestes últimos dias, tivemos contato com discursos vindos das mais variadas fontes e dos mais diversos enunciadores, cada um representando um contexto diferente, intenções distintas e objetivos idem.
No entanto, no meio de tantos discursos, um chamou mais a atenção. Caminheiros e pessoas que apoiam a greve e a manifestação pedindo “intervenção militar já“. Eis a incoerência do ano, talvez do século, já que greves e manifestações são asseguradas apenas no regime democrático, pois em uma ditadura, elas são proibidas e, quando aconteciam, no caso da ditadura militar brasileira, eram combatidas com muita violência e seus praticantes, considerados subversivos, eram presos, torturados e mortos.
É muito fácil, em uma democracia, pedir intervenção militar; por outro lado, em uma intervenção militar pedir democracia, é muito difícil. Em uma intervenção militar, não há liberdade de imprensa nem de expressão; redes sociais são proibidas em países com regimes ditatoriais. Deste modo, as pessoas que pedem intervenção militar, caso seu desejo seja realizado, não terão mais espaço virtual para expor suas opiniões. Só na democracia há espaço para expressarmos nossas opiniões, mesmo que elas expressem a maior incoerência do mundo.
Além disso, muitas pessoas têm confundido opinião com fatos e essa confusão é muito perigosa, inclusive numa prova de redação. Opinião sem argumentação de nada vale, como já falamos nesta coluna pelo menos uma dezena de vezes; agora, opinião baseada em mentiras, em informações falsas, em fake news valem menos ainda.
As pessoas quem pedem “intervenção militar já” ou não sabem o que realmente aconteceu ao longo do regime militar brasileiro ou ignoram as verdades e pensam que esta é uma solução mágica.
Há quem diga que a ditadura militar brasileira foi um dos governos mais idôneos do país, que não existia violência, que a educação era maravilhosa etc. Talvez essas pessoas não saibam dos fatos: os militares daquela época deixaram o Brasil com um índice de 240% de inflação, o que também culminou em um abismo na desigualdade social, pois os mais pobres ficaram com os salários mais desvalorizados, com metade da população na linha da miséria. Em relação à corrupção, como não havia liberdade de imprensa (jornalistas considerados subversivos eram perseguidos, presos, torturados e mortos), os casos eram escondidos e não eram investigados.
Mais fatos: a partir da saída do presidente João Goulart, instaurou-se, gradativamente, um regime de opressão e de total extinção dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros. Tal repressão chegou às salas de aula; professores e alunos contrários ao regime foram perseguidos, presos, torturados e mortos. Livros foram proibidos, como na época da Inquisição da Igreja Católica, principalmente obras de filosofia, sociologia, história, geopolítica e literatura considerada subversiva.
Tais matérias foram extintas do currículo e disciplinas como Educação Moral e Cívica, puramente nacionalistas ao extremos, foram criadas com o objetivo de distorcer e aniquilar qualquer reflexão por parte dos estudantes, além de enaltecer os militares e o regime ditatorial.
Caso alguém seja favorável ao regime militar, não deve ser favorável à manifestações e greves de qualquer natureza, de qualquer categoria de trabalhadores. Ser favorável à intervenção militar e favorável à greve é uma incoerência gigantesca, no mínimo. Opinião não é fato; não é porque pensa-se de determinada maneira que essa maneira é a correta. Não basta opinar, tem de argumentar baseado em fatos verdadeiros; em relação à ditadura brasileira, eis alguns fatos acima.
Tem dúvidas sobre o regime militar do Brasil? Procure seu professor de História, de Geografia, de Sociologia e de Filosofia: todos esses, mas principalmente o de História, podem lhe ajudar a entender melhor esse período, dando aulas, indicando livros etc.
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada em Letras/Português e mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas e do Curso Online do infoEnem. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!
1 comment
Ém relação a uma possivel intervenção militar: É preciso que saibamos fazer nossos caminhos,se não é assim,iremos precisar de quem nos poderá ensinar a faze-los,mesmo que estas pessoas sejam pessoas de quem não gostamos!