Olá, pessoal!
Como prometemos na última postagem (leia aqui), nesta matéria daremos continuidade à abordagem de um possível tema de proposta de redação: a descriminalização do aborto no Brasil. Falaremos acerca das opiniões favoráveis e contrárias à proposta de mudança de lei expressas nas audiências públicas do Supremo Tribunal Federal (STF).
Como dissemos no último texto, o STF promoveu, em agosto, uma série de audiências públicas a respeito da descriminalização do aborto. Na ocasião, representantes de diversos segmentos da sociedade foram convidados a estar presentes e a expressar sua argumentação em relação ao assunto sob os mais variados prismas. Aspectos religiosos, sociais, familiares e relativos à saúde e à sexualidade foram um dos mais citados, já que o aborto abarca todos eles. As opiniões favoráveis e contrárias basearam-se em argumentos de cunhos científicos, médicos, sociais e religiosos, basicamente.
Como exemplo, podemos citar a afirmação de uma das representantes do Ministério da Saúde, Fátima Marinho, diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde:
Uma em cada cinco mulheres já fez um aborto no Brasil. A carga do aborto inseguro é extremamente alta e se transformou em um grande problema de saúde pública.
Além disso, Fátima Marinho afirmou que, segundo estudos, as mulheres que mais morrem devido às complicações oriundas de um aborto inseguro são jovens, negras e pobres, solteiras e que estudaram apenas até o ensino fundamental.
Para a pesquisadora da Anis e professora da faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Débora Diniz,
é dever da corte suprema analisar as leis à luz da Constituição. É dever do STF [Supremo Tribunal Federal] olhar o ordenamento jurídico anterior à Constituição. Há preceitos fundamentais que estão sendo descumpridos.
Já para a representante da União dos Juristas Católicos do Estado de São Paulo (Ujucasp), Angela Vidal Gandra Martins, advogada,
não há controvérsia constitucional. Não há descumprimento de preceito fundamental. É incabível uma arguição nesse sentido. Há uma manipulação de conceitos.
Uma posição tida como exceção dentre os representantes da fé cristã foi a de Maria José Rosaldo Nunes, presidente da Católicas pelo Direito de Decidir. Segundo ela,
Para alguns setores, a vida é entendida de maneira abstrata. É a vida de um possível ser. Nesse argumento, ir contra o aborto, seria defender a vida. No nosso entendimento, mesmo dentro da fé, a mulher tem o livre arbítrio, dentro da sua fé e da sua consciência, para decidir. O problema do aborto, no início, está atrelado à questão do adultério, de que uma mulher só interromperia uma gestação para escondê-la. Essa questão da vida na igreja só começou a surgir a partir do século XIX.
Um dos pontos mais discutidos em relação à prática do aborto é quando começa a vida humana. Para a grande maioria dos religiosos, principalmente os cristãos, a vida humana inicia no momento da fecundação, quando óvulo e espermatozoide se encontram e se fundem, como acredita a Igreja Católica Apostólica Romana.
No papado de Pio IX, o próprio pontífice decidiu que o correto seria proteger o ser humano a partir da hipótese mais precoce, ou seja, a da concepção na união do óvulo com o espermatozoide. “A vida, desde o momento de sua concepção no útero materno, possui essencialmente o mesmo valor e merece respeito como em qualquer estágio da existência. É inadmissível a sua interrupção“, afirma dom Rafael Llano Cifuentes, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Nas audiências públicas do STF, o representante da CNBB voltou a afirmar que “o direito à vida é incondicional. Deve ser respeitado e defendido, em qualquer etapa ou condição em que se encontre a pessoa humana“.
Em relação à ciência, não há um consenso sobre o assunto. Hoje já se sabe que não há um momento único em que acontece a fecundação. O encontro do óvulo com o espermatozoide não é instantâneo, pois, em um primeiro momento, o espermatozoide penetra no óvulo, deixando sua cauda para fora; horas depois, o espermatozoide já está dentro do óvulo, mas os dois ainda são coisas distintas.
“Atualmente, os pesquisadores preferem enxergar a fertilização como um processo que ocorre em um período de 12 a 24 horas“, afirma o biólogo americano Scott Gilbert, no livro Biologia do Desenvolvimento.
Dentro de um período de 15 dias após a fecundação, o embrião pode dar origem a um ou mais embriões; é o caso da gestações de gêmeos. Podemos considerar uma vida humana algo que ainda pode originar mais embriões?
Segundo matéria publicada na revista Superinteressante, há pelos menos quatro teorias sobre o início da vida humana e duas das mais relevantes são as seguintes:
- a vida humana se origina na gastrulação – estágio que ocorre no início da 3ª semana de gravidez, depois que o embrião, formado por 3 camadas distintas de células, chega ao útero da mãe. Nesse ponto, o embrião, que é menor que uma cabeça de alfinete, é um indivíduo único que não pode mais dar origem a duas ou mais pessoas. Ou seja, a partir desse momento, ele seria um ser humano.
- há uma corrente científica defendendo que para saber o que é vida, basta entender o que é morte. E países como o Brasil e os EUA definem a morte como a ausência de ondas cerebrais. A vida começaria, portanto, com o aparecimento dos primeiros sinais de atividade cerebral. E quando eles surgem? Bem, isso é outra polêmica. Existem duas hipóteses para a resposta. A primeira diz que já na 8ª semana de gravidez o embrião – do tamanho de uma jabuticaba – possui versões primitivas de todos os sistemas de órgãos básicos do corpo humano, incluindo o sistema nervoso. Na 5ª semana, os primeiros neurônios começam a aparecer; na 6ª semana, as primeiras sinapses podem ser reconhecidas; e com 7,5 semanas o embrião apresenta os primeiros reflexos em resposta a estímulos. Assim, na 8ª semana, o feto – que já tem as feições faciais mais ou menos definidas, com mãos, pés e dedinhos – tem um circuito básico de 3 neurônios, a base de um sistema nervoso necessário para o pensamento racional. A segunda hipótese aponta para a 20ª semana, quando a mulher consegue sentir os primeiros movimentos do feto, capaz de se sentar de pernas cruzadas, chutar, dar cotoveladas e até fazer caretas. É nessa fase que o tálamo, a central de distribuição de sinais sensoriais dentro do cérebro, está pronto. Se a menor dessas previsões, a de 8 semanas, for a correta, mais da metade dos abortos feitos nos EUA não interrompem vidas. Segundo o instituto americano Allan Guttmacher, ONG especializada em estudos sobre o aborto, 59% dos abortos legais acontecem antes da 9ª semana.
Como este texto ficou muito extenso, optamos por finalizar esse assunto na próxima semana, com os números de abortos legais e clandestinos no país.
Logo abaixo, vocês podem acessar todos os textos que foram usados para escrever a publicação de hoje.
Até a próxima semana!
Referências Bibliográficas:
Bem-Estar: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/numero-de-abortos-cai-no-mundo-puxado-por-paises-desenvolvidos-com-legalizacao.ghtml
Código Penal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
Huffpost Brasil: https://www.huffpostbrasil.com/2017/03/07/pela-vida-de-todas-acao-do-psol-pede-legalizacao-do-aborto-no-b_a_21875491/
Relatório do Instituto Guttmacher (em inglês): https://www.guttmacher.org/sites/default/files/report_pdf/abortion-worldwide-2017.pdf
Revista Exame: https://exame.abril.com.br/mundo/entenda-como-o-aborto-e-tratado-ao-redor-do-mundo/
Superinteressante: https://super.abril.com.br/ciencia/vida-o-primeiro-instante/
Quebrando o Tabu sobre aborto no GNT: https://globosatplay.globo.com/gnt/v/7001598
Profissão Repórter sobre aborto: https://globoplay.globo.com/v/6948539/programa/
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada em Letras/Português e mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas e do Curso Online do infoEnem. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!
1 comment
Olá, encontrei uma falta de concordância no texto…
no trecho:
…..Falaremos acerca das opiniões favoráveis e contrárias à proposta de mudança de lei expressas nas audiências públicas do Supremo Tribunal Federal (STF)……
ao invés de lei expressas…. não seria LEIS EXPRESSAS?
gosto muito das publicações dessa plataforma…
Atenciosamente: Osmar Ramos