Muitas vezes alguém ou algo nos tira da realidade (no bom sentido), ou nos entusiasma tanto, que a música “Barata tonta”, da Rita Lee poderia ser a descrição bem precisa dessa euforia:
“Você me deixa cabreira,
sem eira nem beira,
feito barata tonta,
(…)
me faz um gracejo
eu me desmancho toda
o resto que se exploda
feito bomba h
O que é que há?
É só amor
não existe remédio,
não existe doutor,
que possa curar!”
(https://www.vagalume.com.br/rita-lee/barata-tonta.html )
Também a sensação de raiva incontida pode nos fazer desejar explodir coisas, mas de acordo com a norma culta, não podemos sair explodindo por aí, em qualquer tempo ou modo. Isso porque o verbo explodir é considerado defectivo.
Verbos defectivos são aqueles que não apresentam a conjugação completa, isto é, não são conjugados em todos os modos, tempos e pessoas. Há diversos motivos pelos quais ocorre essa “anomalia”. Há alguns verbos para os quais a dinâmica do idioma não apresenta formas adequadas. É o caso de “falir”: se conjugarmos no presente do indicativo ‘eu falo’, teremos o verbo falar. Se conjugarmos ‘eu falho’, teremos o verbo falhar… E não sobrou forma nenhuma para o pobre do falir…
Além disso, há ainda outras causas, por exemplo a eufonia. Há formas verbais que criam sons desagradáveis, cacofônicas.
Entre os verbos que a Gramática Normativa considera defectivos estão: adequar, falir, doer, reaver, abolir, banir, brandir, carpir, colorir, delir, explodir, ruir, exaurir, demolir, puir, delinquir, fulgir, feder, aturdir, bramir, esculpir, extorquir, retorquir, soer, entre outros.
Em sua maioria, esses verbos são conjugados apenas na primeira e segunda pessoa do plural do modo indicativo, na segunda pessoa do plural do modo imperativo e não possuem flexões no presente do subjuntivo.
Isso se deve ao fato de termos tempos primitivos (o presente e o pretérito perfeito no indicativo e o infinitivo impessoal). Essas formas dão origem a outros tempos, os chamados tempos derivados. Assim, se não existir um primitivo, também não existirá os derivados.
Vejamos como isso ocorre, na prática. Observemos o verbo reaver. Ele é um derivado do verbo haver, mas só existe nas formas em que está presente a letra ‘v’:
PRESENTE DO INDICATIVO
| PRESENTE DO INDICATIVO
| PRESENTE DO SUBJUNTIVO | IMPERATIVO |
eu hei | eu – | que eu – | – |
tu hás | tu – | que tu – | – |
ele há | ele – | que ele – | – |
nós havemos | nós reavemos | que nós – | – |
vós haveis | vós reaveis | que vós – | reavei vós |
eles hão | eles – | – |
Não apresentando a 1ª pessoa do singular no presente do indicativo, não existirá todo o presente do subjuntivo. E sem o presente do indicativo nem do subjuntivo, não há a maior parte do Imperativo.
Para resolver as situações em que essas formas seriam necessárias, teremos que lançar mão de sinônimos (para o ‘adequar’, podemos usar o ‘adaptar’ e para o ‘colorir’ podemos usar o ‘pintar’) ou de locuções verbais (estou abolindo, estou explodindo)
No caso da música do início do texto, precisamos lembrar que autores lançam mão de licença poética muitas vezes. E outras vezes, reproduzem a linguagem coloquial, que nem sempre leva em conta as restrições da norma culta. Daí a forma ‘que se exploda”, usada correntemente na língua falada.
É isso!
Até a próxima semana!
Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde também concluiu seu mestrado. Com mais de 20 anos de experiência e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoenem, a professora também é colunista de gramática do portal infoEnem e umas das corretoras do nosso curso de redação (clique aqui para saber mais) . Seus artigos são publicados todos os domingos. Não perca!