As leis devem ser obedecidas por todas as pessoas, certo? Bem… do ponto de vista legal e do ético, sim, essa afirmação é verdadeira. E à primeira vista, parece não haver problema algum na frase, não é?
Pois bem, não é! Legal e eticamente, deve-se levar à risca esse conselho, mas gramaticalmente, perceberemos que essa construção apresenta uma impropriedade, causada por influência da linguagem coloquial (veja a diferença entre norma culta e norma coloquial clicando aqui).
Relembremos alguns detalhes importantes: chamamos de Voz do verbo à relação existente entre o sujeito e a ação do verbo. Desse modo, dizemos que uma frase está na Voz Ativa quando o sujeito pratica a ação expressa pelo verbo; na Voz Passiva, quando o sujeito recebe a ação; na Voz Reflexiva, quando o sujeito pratica a ação e ele mesmo a recebe e Voz Recíproca, quando há ao menos dois sujeitos e um pratica a ação sobre o outro e este a retribui ao primeiro.
Agora relembremos as alterações que ocorrem na passagem da voz ativa para a voz passiva analítica (aquela que emprega o verbo ‘ser’ como auxiliar, ao lado do verbo principal):
- Os alunos leram todos os livros da lista da Fuvest. (Voz Ativa)
- Todos os livros da lista da Fuvest foram lidos pelos alunos. (Voz Passiva Analítica)
Podemos “deduzir uma fórmula” para essa transformação, que envolverá os seguintes elementos da análise sintática:
Na Voz Ativa | Na Voz Passiva passa a ser: |
---|---|
Sujeito | Agente da Passiva (precedido de preposição) |
Verbo (VTD ou VTDI) | Locução verbal (verbo SER + verbo principal) |
Objeto Direto | Sujeito Paciente |
Predicativo do Objeto (se houver) | Predicativo do sujeito |
Se houver outros termos com diferentes funções sintáticas, eles manterão as funções que já apresentavam na Voz Ativa (objeto indireto (OI), adjuntos adverbiais, adjuntos adnominais, continuarão a ser classificados do mesmo jeito).
Mantemos, na transformação, os aspectos semânticos, ou seja, não há mudança na informação da frase, é alterado apenas o ponto de vista a partir do qual apresentamos um fato: se a ideia é realçar quem faz a ação, usamos a Voz Ativa (nela é o sujeito que age); se a intenção é realçar o alvo da ação, empregamos a Voz Passiva (nela o sujeito recebe a ação). Mas cuidado! Não é apenas uma troca na ordem das palavras, o verbo precisa ser alterado e o agente ganha uma preposição!
Agora que já relembramos a transformação da Voz Ativa para a Vos Passiva, voltemos à frase do início do texto. Por que motivo ela não está de acordo com a norma culta? No quadro da “fórmula” da transformação, observamos que para ser possível a alteração de uma voz na outra, o verbo precisa ser transitivo direto ou bitransitivo. Isso porque é o objeto direto da Voz Ativa que se transformará em sujeito da Voz Passiva. E por que há essa exigência quanto ao verbo e ao objeto? Porque o sujeito nunca pode ser preposicionado! Dessa forma, apenas um termo que não é precedido de preposição poderá vir a ser sujeito. Trocando em miúdos, se o verbo é VTI, não será possível passar a frase para a Voz Passiva.
E o que essa exigência tem a ver com o verbo obedecer? É que, de acordo com as regras de Regência Verbal, o verbo obedecer é VTI, regido de preposição A. O problema é que, na linguagem coloquial, em situações informais, as pessoas deixam de empregar a preposição e a sensação é de que o verbo é VTD, o que possibilitaria a transformação em voz passiva. O mesmo ocorre com o verbo ‘assistir’ (veja mais detalhes do verbo assistir aqui), no sentido de ver, presenciar. Ele também exige preposição A, para ter essa significação, mas isso é desconsiderado na linguagem informal.
Assim, para ‘consertar’ a frase inicial, se fosse uma questão de exame, precisaríamos manter a voz ativa:
- Todas as pessoas devem obedecer às leis.
É isso! Até a próxima semana!
Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde também concluiu seu mestrado. Com mais de 20 anos de experiência e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoenem, a professora também é colunista de gramática do portal infoEnem e umas das corretoras do nosso curso de redação (clique aqui para saber mais) . Seus artigos são publicados todos os domingos. Não perca!
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