Na última semana, a Diretoria de Avaliação da Educação Básica (DAEB), juntamente com o Inep e com o MEC, lançou o documento intitulado “Redação no Enem 2016 – Cartilha do Participante” no qual as cinco competências avaliadas na prova de produção textual do Exame Nacional do Ensino Médio são esmiuçadas como no documento anterior.
Apesar desta semelhança, há dois novos aspectos: o primeiro é que a Cartilha do Participante traz exemplos de redações que obtiveram nota máxima (1.000 pontos) nas edições dos anos de 2013, 2014 e 2015 do Enem e esclarecimentos específicos acerca do respeito aos Direitos Humanos na 5ª competência, tema de nosso texto de hoje.
O respeitar os Direitos Humanos na prova de redação do Enem é um dos pontos que geram as maiores discussões entre professores de Português e alunos e também na sociedade civil e na comunidade política, como já discutimos nesta mesma coluna, quando analisamos a proposta do projeto Escola sem Partido querer eliminar este ponto da prova de produção de texto do Enem.
Muitos alunos afirmam que devem escrever o que a banca quer ler e não o que eles realmente pensam e que, deste modo, a liberdade de expressão estaria sendo tolida, além de que seria complexo discutir o que é respeitar os Direitos Humanos.
Em um outro texto desta coluna, também abordamos o que são os Direitos Humanos (veja), retomando sua origem e sua história, analisando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, dentre outros aspectos, mas este texto foi escrito com embasamento teórico sobre tal aspecto; a Cartilha do Participante do Enem 2016 é o primeiro documento oficial que aborda, explicitamente e detalhadamente, o que é considerado respeito aos Direitos Humanos pelas bancas elaboradora e corretora do exame, dando exemplos, inclusive.
Os autores situam os candidatos que a obrigatoriedade do respeito aos Direitos Humanos passou a valer no edital do exame em 2013, após a publicação do documento sobre as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos em 2012. A partir daí, o edital passou a determinar que redações que desrespeitassem os Direitos Humanos seriam anuladas.
Os temas abordados pela prova de redação do Enem sempre foram de cunho social e situados no contexto brasileiro em relação a aspectos sociais, políticos, históricos, econômicos e culturais, e por isso o exame exige a elaboração de uma proposta de intervenção social que respeite os Direitos Humanos.
Diante disso, muitos alunos ficavam e ainda ficam em dúvida sobre o que é respeitar os Direitos Humanos para o Enem na prova de redação. Pode colocar como proposta de intervenção social a pena de morte ou a prisão perpétua, por exemplo? Eis uma das perguntas que todos já ouviram.
Neste ponto, a Cartilha do Candidato esclarece que, para o Enem, caracteriza desrespeito aos Direitos Humanos propostas de intervenção social que suscitem, ou seja, que incentivem a violência por parte dos cidadãos, isto é, da sociedade civil na administração de punições e/ou castigos, como por exemplo, as propostas de solução que sugerem a justiça com as próprias mãos.
No caso de haver a sugestão da aplicação da pena de morte, por exemplo, o documento afirma que não há desrespeito aos Direitos Humanos porque, neste caso, o Estado seria o agente da punição e não um indivíduo ou um grupo de pessoas; se a pena de morte fosse autorizada no país, seria uma política estatal e não alguém que mata outra pessoa por vingança, por exemplo. Esta explicação esclarece a questão em relação a pena de morte, já que ela não é política pública do direito penal brasileiro.
Neste sentido, a Cartilha do Participante fornece exemplos aos seus leitores do que foi considerado desrespeito aos Direitos Humanos nas redações dos temas dos anos de 2014 e 2015.
Há dois anos, o tema da proposta de redação do Enem foi “A publicidade infantil em questão no Brasil” e as propostas de intervenção social que anularam os textos pois desrespeitaram os Direitos Humanos foram as seguintes:
- as que tolheram a liberdade de expressão da mídia;
- tortura e execução de quem abusa de crianças, o que deve ser oriundo de uma fuga do tema, inclusive;
- orações como “acabar com esses bandidos”, “matar todos esses pais idiotas” etc.
Caso o candidato apresentasse uma proposta que tivesse como mediador o Estado houve, por parte da banca, o entendimento de que havia uma garantia do papel das autoridades e da legislação, o que não configura o desrespeito aos Direitos Humanos.
Já na edição do ano passado no Enem, cujo tema da proposta de redação foi “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira“, propostas de intervenção que incentivaram a violência contra a mulher (de qualquer tipo) e que suscitaram a superioridade dos homens sobre as mulheres foram consideradas desrespeitosas aos Direitos Humanos, como por exemplo:
- discriminação contra as mulheres;
- propostas que sugeriram ferir, de alguma maneira, a integridade física ou moral de mulheres;
- cerceamento do livre-arbítrio feminino;
- defesa da desigualdade de gêneros no mercado de trabalho ou no trato social;
- imposição de religião baseada em supostas leis divinas que colocam as mulheres como submissas aos homens, o que reforça o fato de que argumentos religiosos são facilmente derrubados e devem ser evitados;
- castigos às mulheres.
Os candidatos que sugeriram tais medidas provavelmente fugiram do tema, pois negaram a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira e negaram a própria violência contra a mulher e se mostraram completamente machistas e misóginos, o que vai contra o tema.
Porém, houve casos em que os candidatos não negaram a existência da violência contra a mulher, mas desrespeitaram os Direitos Humanos ao sugerirem medidas que, por exemplo, propunham que:
- os agressores fossem massacrados na cadeia;
- os agressores sofressem a mesma violência que praticaram;
- os agressores fossem castrados;
- as mulheres fizessem justiça com as próprias mãos
As propostas de intervenção social devem visar a diminuição e/ou a eliminação do problema abordado por meio de práticas que não desrespeitem os Direitos Humanos e que, assim, não incentivem nenhum tipo de violência, por isso não deve haver nenhum traço de nenhum tipo de discriminação de ordem étnica, social, sexual e de gênero, pois ser machista, homofóbico, racista e xenofóbico, por exemplo, é ser violento mesmo que só verbalmente, o que já deve ser repudiado, combatido e penalizado.
Assim sendo, o respeito aos Direitos Humanos é uma posição ideológica do Enem que visa a conscientização dos candidatos e o combate e a eliminação de qualquer tipo de desrespeito moral, ético, social e físico que, inclusive, é papel da escola, em parceria com as famílias, como formadora de cidadãos críticos, protagonistas e conscientes e não apenas uma mera punição para quem não cumpre a 5ª competência.
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!
1 comment
Excelente! Obrigado.