Não vou esclarecer “por que tudo junto se escreve separado e separado se escreve tudo junto”, nem por que ‘bota a gente calça e calça a gente bota”, já que a maneira como a palavra é escrita costuma não ter nada a ver com a semântica, com o significado dela. O tema hoje é a coexistência de termos grafados às vezes ‘tudo junto’, às vezes separados, além daqueles que sempre são separados (ou sempre juntos).
Primeiramente os coexistentes:
- afim – adjetivo que indica afinidade (podem ser gostos em comum, ou tendência a se ligar, como na Química);
- a fim (de) – locução conjuntiva que indica finalidade (“A fim de passar nos vestibulares, começou a ler várias obras literárias’’)
- acerca – locução prepositiva que significa “a respeito de”, “sobre” ou “quanto a”. (Discutimos acerca da (a respeito da) palestra da noite anterior).
- a cerca, precedido da preposição a, indica distância no espaço ou tempo futuro e é equivalente a “a aproximadamente ou “a mais ou menos”. (Eles estão a cerca de (a aproximadamente) seis meses dos exames).
- há cerca (com o verbo haver) – indica existência ou tempo decorrido de maneira aproximada. (Há cerca de (faz aproximadamente) dois anos que não tiro férias).
- Portanto – conjunção conclusiva, inicia orações coordenadas desse tipo, nas quais se apresenta uma informação decorrente do que se disse anteriormente. (Saí, cedo da aula, portanto não ouvi a explicação final)
- Por tanto – preposição + advérbio de intensidade, pode indicar circunstâncias adverbias como tempo, causa ente outras. (Por tanto tempo ele foi enganado, que não confiava em mais ninguém)
As expressões seguintes são grafadas SEMPRE separadas e não há justificativa para o deslize, a não ser falta de atenção na leitura (ou falta do hábito de leitura), na percepção auditiva ou o excesso de exposição a textos mau escritos
- a partir de
- com certeza
- de repente
- o que
- por isso
- se calhar (expressão comum em Portugal, que significa ‘se coincidir’, ‘se der certo’)
A professora Luciani Tenani, da Unesp, aponta para algumas prováveis causas desses problemas ortográficos, entre os quais a falta de consciência no uso de determinadas classes de palavras e de seu significado exato na construção do sentido do que se vai dizer/escrever.1
É claro que não há necessidade de ficar fazendo análises morfológicas mentalmente antes de se escrever essas expressões (nem o professor de português mais ‘pirado’ faz esse processo quando redige!), mas, quando fazemos leituras atentas, prestando atenção à forma e ao conteúdo, a grafia das palavras e as estruturas frasais ‘vão entrando’ na nossa memória de forma quase imperceptível, e gravam-se indelevelmente as formas corretas na memória. Assim, temos a sensação de que uma palavra está ‘feia’ e escrevemos de outro jeito, o mais ‘bonito’, por causa dessa sensação de familiaridade, por termos lido da maneira correta muitas vezes anteriormente.
Até a próxima semana.
1 – http://www.ibilce.unesp.br/Home/Departamentos/EstudosLingLiterarios/coluna-tenani-06-2014.pdf
Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Com mais de 20 anos de experiência, corretora do nosso Curso de Redação Online (CLIQUE AQUI para saber mais) e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoEnem, a professora é colunista de gramática do nosso portal. Seus textos são publicados todos os domingos. Não perca!