Análise da Redação do Vestibular UNICAMP 2018 – Texto 1

No último domingo, 13 de janeiro de 2018, começou a segunda fase do vestibular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), realizado pela Comissão Permanente para os Vestibulares (COMVEST).

A UNICAMP tem se destacado no meio acadêmico por conta da sua tradição e também por sua inovação em ensino, pesquisa e extensão e é apontada como a melhor universidade do Brasil da atualidade segundo índice do Ministério da Educação. Seu vestibular tem chamado atenção de candidatos de todo o país, registrando recorde de inscritos para as provas de 2018, devido aos programas de ação afirmativa para inclusão social para estudantes de escolas públicas (PAAIS) e, a partir do vestibular 2019, haverá cotas étnico-raciais.

A prova de redação do vestibular da UNICAMP é uma dos pioneiras do país a cobrar não mais dissertação-argumentativa, carta e narrativa, mas sim gênero e dois textos. Resumindo, os candidatos devem fazer duas propostas de redação, na segunda fase, juntamente com a prova de Português e de Literatura. As duas propostas são obrigatórias e exigem a escrita de gêneros diversos, como por exemplo, resumo, entrevista, carta do leitor, relatório, carta aberta, artigo de opinião, comentário, discurso de apresentação, síntese etc. Deste modo, a prova de redação da UNICAMP é uma dupla caixinha de surpresas: em relação ao gênero e em relação ao tema abordado por este gênero.

No texto de hoje, analisamos a proposta de redação número um (palestra sobre pós-verdade) e, na próxima semana, analisaremos a proposta de redação número dois (artigo de opinião sobre direitos humanos versus discurso de ódio).

As propostas de redação da UNICAMP são estruturadas em enunciados e textos fontes: os enunciados contêm os comandos da prova e os textos fontes servem de subsídio para a escrita do texto. O uso dos textos fontes pelos candidatos depende do gênero exigido, assim, não há uma fórmula mais ou menos pronta que serve para todas as propostas como há no Exame Nacional do Ensino Médio – Enem – de não copiar trechos dos textos motivadores da coletânea na dissertação-argumentativa, por exemplo.

Para ficar mais claro, abaixo uma foto da proposta de redação número um do vestibular 2018 da UNICAMP:

O enunciado desta proposta de redação coloca o candidato como um estudante do Ensino Médio (como a grande maioria é) que deverá fazer uma palestra para os demais estudantes sobre pós-verdade. Ou seja, a UNICAMP aqui exige a escrita de um texto que é concebido na modalidade escrita, já que é planejado, mas que é essencialmente da moralidade oral: palestra. O tema desta palestra é o fenômeno atualmente cunhado como pós-verdade.

Nesta palestra, o candidato deveria (1) explicar o que é a pós-verdade e explicar sua relação com as redes sociais, (2) dar alguns exemplos de notícias falsas que circularam nas redes sociais e se tornaram verdades e (3) citar consequências sociais que a disseminação da pós-verdade pode acarretar.

Neste caso, o candidato tinha estes três objetivos a cumprir nesta palestra voltada para demais estudantes e, neste ponto, a linguagem utilizada deveria ser levada em consideração no planejamento do texto; já que é uma palestra em uma escola, a linguagem deveria seguir a norma padrão da língua, mas sem a necessidade de ser rebuscada, já que a palestra será proferida por um estudante do Ensino Médio.

No final do enunciado há uma ressalva praticamente inédita nas provas de redação da UNICAMP: o candidato poderia ter usado informações de outras fontes para compor seu texto.

Há dois textos fonte nesta proposta. O texto A é uma charge e aborda um ponto fundamental: a distinção entre notícias falsas (que sempre existiram) e pós-verdade, já que este fenômeno não se trata apenas da publicação de notícias falsas ou mentirosas, mas sim no fato de que muitas pessoas acreditam que opiniões valem mais do que fatos, normalmente opiniões infundadas ou mal baseadas. É como se opiniões pessoais fossem tidas como verdades absolutas que ignoram fatos e dados comprovados.

O texto B, por sua vez, coloca o termo “pós-verdade” como a palavra do ano, assim eleita pela Universidade de Oxford, no Reino Unido e articula o fenômeno com as redes sociais, ou melhor dizendo, com o uso das redes sociais pelos usuários. Ele ainda oferece exemplos de notícias falsas que circularam recentemente de maneira proposital, inclusive, o que nos leva a pensar nas possíveis consequências do pós-verdade.

Esta proposta pressuponha que os candidatos soubessem, pelo menos um pouco, sobre o fenômeno do pós-verdade, pois os textos fontes não dão explicações explícitas sobre o fenômeno. Deste modo, os candidatos deveriam inferir muitas coisas, como as possíveis consequências, por exemplo.
Até a próxima semana!

 


*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).

**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!

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