No atual momento de pandemia mundial se torna relevante discutir sobre a História da Saúde e das Doenças no âmbito nacional e internacional, bem como relembrar alguns conceitos históricos como Eugenia e Racismo social. O COVID19 até o momento está presente em mais de 100 países com uma média de 118 mil casos de infecção e aproximadamente 4000 mortes ao redor do mundo (dados em constante alteração).
Além dos desdobramentos econômicos e políticos da pandemia há também um desdobramento social muito importante e que possui raízes históricas: o racismo relacionado a doenças e a características culturais.
Existe uma vertente historiográfica que estuda a relação entre doença, medo e discriminação, tal vertente é chamada História da Saúde e das Doenças. O objetivo é analisar as dinâmicas sociais ao longo do tempo a partir do estudo da repercussão social das doenças que acometem as sociedades ao longo da história da humanidade. É a partir desse olhar histórico sobre as doenças que podemos compreender dinâmicas sociais mais complexas que envolvem a estigmatização das doenças e a discriminação, percebendo que há uma relação direta entre doenças e exclusão.
Outra dinâmica social que entra em jogo em momentos de pandemia são os estereótipos criados acerca do outro (outro povo, outra cultura, outros costumes). Longe de serem novidade, os estereótipos também possuem uma história. O imaginário coletivo ocidental caracterizou o Oriente com demasiado exotismo, criando a ideia de que asiáticos (em especial chineses) seriam um povo sujo e “não civilizado”. É importante lembrar que esses imaginários são criados ou endossados em contextos imperialistas.
Entre os séculos XIX e XX a ascensão do movimento eugênico fundamentou-se na concepção de uma raça superior e mais civilizada como “paradigma universal”; tal teoria estava presente no discurso social e político dos EUA, da URSS e da Alemanha nazista. Essas dialéticas de auto definição de nações ocidentais como civilizadas a partir da definição de outros povos como inferiores, estiveram na base dos principais conflitos bélicos do século XX.
Representações do estigma da doença das artes
No decorrer da história também é possível identificarmos as posturas sociais em relação a doença nas artes. Na obra a seguir vemos como a representação do leproso numa iluminura medieval é capaz de comunicar uma mentalidade cultural, política e religiosa:
Outras obras medievais e renascentistas que representaram a peste negra e outros doentes da época contribuíram para a estigmatização dos mesmos. Já em relação a associação das doenças a grupos específicos, temos o caso da lepra (considerada uma doença adquirida pelo pecado e somente em 1873 entendida como Hanseníase, uma doença tratável) e a peste bubônica (peste negra) associada aos judeus no século XIV na Europa. Há também casos mais recentes como o surto de Ebola na África em 2014, associado aos negros, e a AIDS associada aos homossexuais nas últimas décadas do século XX. Mesmo hoje, ainda é possível encontrar representações das doenças associadas a tais grupos.
Na literatura, exemplos de romances como “Capitães de Areia” (Jorge Amado, 1937) e “Amor nos Tempos do Cólera” (Gabriel Garcia Márquez, 1985) retrataram doenças que acometeram a sociedade brasileira e sua repercussão na sociedade da época.
Como essas dinâmicas estão presentes no momento atual?
Relembremos os casos de racismo e xenofobia que ocorreram no Brasil e ao redor do mundo em relação à chineses e pessoas de ascendência asiática. A motivação por trás de tais manifestações de violência está ligada à direta associação entre o fenótipo das vítimas (características físicas), o local onde a pandemia iniciou (China) e a própria doença (no campo das ciências humanas esse tipo de associação é chamado de Racismo Social). Como já mencionado, existe no Ocidente uma gama de estereótipos criados em relação aos chineses (bem como aos orientais em geral) e seus hábitos de alimentação e higiene. O medo da doença juntamente ao imaginário enraizado em relação a alteridade (o outro, o estrangeiro) endossam as práticas racistas, portanto é preciso atentar que todo estereótipo possui também uma história de interesses intrínsecos a ele.
O debate sobre a história das doenças e a relação existente entre doença, medo, estigma e estereótipos e a maneira como essa relação ocorre na cultura ocidental nos permite lembrar que estereótipos fazem parte de um imaginário social que é historicamente construído, mas que não são realidades biológicas.
Enem 2018 – QUESTÃO
Alternativa correta: C
Resolução: Destaque para o último parágrafo: “Segundo ela (Audrey Azoulay) esse processo (de conscientização dos direitos de si e do outro) precisam começar o quanto antes nas carteiras das escolas (ou seja, o tema deve ser discutido desde a educação básica)”. Questões sobre os direitos humanos estão sempre presentes no Enem, logo é importante compreender conceitos como racismo, xenofobia e a relação entre as concepções de civilização e barbárie.
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Por Maria Luiza Matos: Graduanda em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Fontes:
MONTEIRO, Yara Nogueira; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Org.). A doença e os medos sociais. São Paulo: Fap-Unifesp. 2012. 440p.
O RACISMO social ligado ao corona vírus. Direção: Lilia Schwarcz. Produção: Lilia Schwarcz. São Paulo: YouTube, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wnwMXGUY80s. Acesso em: 27 fev. 2020.
SCHIMITT, Jean-Claude. Uma longa história. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. Tradução de José Rivair Macedo, Bauru-SP. Edusc, 2007.
Dados sobre o COVID19 https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,oms-declara-pandemia-de-novo-coronavirus-mais-de-118-mil-casos-foram-registrados,70003228725